CHEIRO DE PÃO

 

LAERTE ANTONIO

 

   Ânimo!

 

Se ficarmos chorando pelos cantos

o mundo dará de ombros

e nos deixará com nossas lágrimas.

Clamemos

em nosso coração para o Senhor —

e Ele enfeixará forças em nós

a fim de prosseguirmos com os outros

em nossa condição

de caminho-caminhantes.

 

O que somos é coisa nossa —

temos de arcar com o que somos:

trabalhar-nos, transmudar-nos.

E a ordem interior da vida é sempre — para a frente!

Unamo-nos aos que já têm essa consciência,

e uma coragem recíproca,

uma solidariedade saudável

serão a nossa estrada.

 

Não nos faltará Aquele

que nos pôs a caminho.

Procuremo-Lo

o mais perto de nós que pudermos.

 De Volta Ao Tema

 

Os mistérios do tempo

estão para a criatura

como o amor para a vida.

 

Ser e Tempo,

Tempo e Ser —

o grito em brilho

de um mesmo diamante.

As penas da mesma dor e vôo.

As delícias

de descobrir-se eternamente

descobrindo.

 

Ser e tempo

existem mesmo?

Ou alguém

nos faz sonhá-los

para nos conhecermos

em transessência?

Fogo Sagrado

 

Para dizer-fazer-criar —

necessário

fogo no coração:

transformar empoadas sucatas

em modelos os mais novos.

Transmudar o passado

em farinha de futuro —

e padejar aquele pão

que tínhamos lá em Casa.

 

É o fogo de Prometeu

roubado aos deuses para o homem?

Não, é o meu, é o teu —

hoje, o fogo do Criador,

distribuído aos homens

pelo Espírito de Deus —

o fogo de Pentecostes.

 

O fogo profetizado

pelo rústico João —

o que aprendeu

entre as areias e o silêncio:

''Eu vos batizo com água,

mas virá Aquele que o fará

com o Espírito e com fogo.''

 

O mesmo fogo

que entrou pelos ouvidos

( pela boca do Filho

explicando a palavra )

e ardeu no coração

daqueles dois discípulos

que palmilhavam

a estrada de Emaús.

 

O mesmo fogo que, hoje,

nos queima os fungos do porão,

nos renova o coração

e nos reaviva o destino

de filhos e herdeiros.

 

 

Hei De Crescer E Madurar...

 

Hei de crescer e madurar na palma

da Tua mão, correr por Tuas veias:

ser-Te em mim, ser-me no que és: Um-nós —

em sensações perenes de Te amar, —

 

saber-Te meu caminho e minha casa,

enquanto sou a minha via andante

por veredas confluentes de encontrar-Te,

e de perder-me em mim e em Ti me achar

 

em outros de mim mesmo à Tua imagem,

em Tua luz, em Tua graça e sonho —

por flamas-portos de chegar-me, em naves

 

de um ter partido dantes de haver portos

e ter chegado antes de saber-Te

         Aquele que me sonha em Sua glória.

 

 

Outono-Inverno

 

Sons, muitos sons

em miscelâneas

ou dicelâneas

de redizer —

no íntimo ter

de florescer —

tramando trilhas

num jeito-alma

de recompor

o que se esfaz.

 

Sons, muitos sons —

vocifoliais,

folivocais:

contos-recontos

ventonarrados

em tons hiemais —

gestos florais

nos vindimais

de sons iriais,

undifractais...

por alamedas,

ledas veredas

em vozes quedas

por horas sedas...

em tons liriais —

brisas-duendes

tecendo sendas

interiores

com olhos-flores

engravidando

sonhos-silêncios

lá no por dentro

de outono-inverno

a demolir-e-recriar

um sonho-mundo

em seiva-sonho

de um renascer

em primavera.

 

 

            Sobre Aquela Semente

 

Um placebo, uma palavra,

um percutir

pode nos dar

pés de andar sobre as águas.

E aquela mínima semente

pode germinar em nós

e tornar-se

o de que precisamos.

 

Pelo calor do crer

o sonho se abre

e a borboleta voa

entre as pedras e as flores.

 

Ninguém nem nada

esmague essa semente —

por certo não teria

nada melhor pra dar.

 

 

Tempo E Ser

 

Inaugurei, meu Pai, o Tempo

quando caí.

Em Teu seio eu tinha ciência.

Em mim-queda tenho consciência:

ciência de mim e do outro —

a criatura se aparta: nasce o ego.

E o tempo fica sendo a Dialética

da Existência em que o ser

se põe atrás de si a perseguir-se

no enlevado auto-engano

de ser-se — agora a se narrar fora de Casa —,

porque deslembrado de si.

Para voltar

terá de usar o caminho

do não-saber, isto é — pelo nunca

ter saído de Casa.

 

 

                  Um Grito, Um Canto

 

Dou um grito e espero o eco —

lá no vale das almas.

Um grito ( em que me encontre )

já transmudado em canção —

no coração dos homens.

Um canto que torne una

a nossa voz —

voz que — una — torne uno

nosso sentir-pensar-querer-ousar,

para que, unidos e juntos,

peçamos a Deus:

Senhor, dá-nos a Tua Paz

e abençoa-nos em recriarmos

a graça que nos dispensas

a fim de a respirarmos

em forma de todos os bens.

 

 

Um Outro Clima

 

Os sinos.

Os sinos lá em nós.

Natal canta cor de estrela

no coração da gente.

O Verbo Santo

nos abençoe,

insufle em nós

a sua natureza

e nos transforme

segundo o sonho do Pai

e o ministério do Espírito.

 

Ouro, incenso e mirra

agora fluem

por nossas vidas Nele.

 

Nos quebrantamos:

quebramos as nozes

dos nossos corações.

Sem suas duras cascas

nos veremos uns nos outros

como Um visto em muitos:

nossas nozes

tornam-se nós...

e nós, — um só entendimento.

(Quem não tem noz

a encontrará em nós.)

 

Repicam sinos

cor de alegria.

Alegria

que é a força do Senhor

em nós.

E todos sentem

que nesses dias

paz e unidade

têm seu espaço:

táteis, palpáveis —

a vida fica abraçável.

Um outro clima.

A esperança tem gosto e cheiro —

e fortalece.

As promessas do reino

se fazem de carne e osso.

Que nos tornemos ‘noses’ —

sem casca.