HOJE É O QUE TEMOS
Laerte Antonio
Textos 02
Agradeço aos meus amigos
por todas as vezes que se lembrarem
de que ainda são meus amigos.
LA 12/006
A amizade é de uma porcelana tão frágil
que vive se quebrando.
Por vezes a colamos tanto
que nem mais a reconhecemos.
LA 12/006
Sobre o que você é
não há muito segredo.
Veja o que tem feito
e pensado e sentido —
isso é o que você é.
LA 12/006
Em geral nossas doenças
impedem nossos relacionamentos
com aqueles a quem mais amamos.
LA 12/006
Não tenha pressa.
Não há lugar tão maravilhoso
( as coisas somos nós )
que nos mereça tanta pressa.
LA 12/006
Nunca achei que a pressa
fosse inimiga da perfeição,
porque a perfeição é de Deus
e prefiro que o meu fazer
obedeça ao meu bio-ritmo.
LA 12/006
Mais uma vez Natal
com seu bem e seu mal.
E eu nem seria feliz
se tivesse uma quinta
em Portugal.
LA 12/006
Se quiseres brincar,
teremos sempre com quê —
tu tens a tua pinta
e eu o meu pinto.
LA 12/006
Ou bem ou mal
hoje é Natal —
aqui e em Portugal.
Os tremeliques da amada
se resolvem no pau.
LA 12/006
Tive um amigo tão bacana,
que só tinha dois defeitos —
era ladrão e sacana.
LA 12/006
Tive uma namorada
bela e safada.
Dela eu pouco gostava,
mas adorava
as suas safadezas.
LA 12/006
Tinha aberto muitas portas
para o nada.
Se bem que viver no nada
não é nada,
pra quem tem um jeito zen.
LA 12/006
Ela gostava ( dizia )
dos seus versos.
E bem que os publicaria —
se ele fosse junto.
LA 12/006
Tinha muitas habilidades.
Sua vizinha o chamava
lá vez por outra
para serviços de rotina —
subir-lhe pelo telhado,
pregar-lhe prego nas paredes,
amaciar-lhe as maçanetas,
cuidar-lhe da parte elétrica.
LA 12/006
Padre Hilário
sabia fazer de tudo.
Amparava as viúvas jovens,
porque ‘as velhas
sabiam se cuidar’...
Tinha um quê com Josefina
e a espanhola da esquina
( esta apesar de espírita ).
Sempre que podia
dava-lhes uma pintada
num dos cômodos,
nos cômodos de dentro —
diziam os vizinhos.
LA 12/006
Manezão calçava 46 —
uma locomotiva.
Fazia um par engraçado
com Lucinha:
tenra, frágil, crocante —
um pé de alface...
Um jeito
de sabonete cheiroso...
Uma cintura
que mais parecia um trilo
de tiziu.
LA 12/006
Ah! E a Chiquinha?!
Esguia, fina,
pequenininha...
Parecia impossível
que o Rubião
( o baita do seu marido )
coubesse no seu amor.
LA 12/006
Era só vendo
pra crer:
Rosinha,
meio pingo de gente,
conseguia bater no marido —
um holandês de quase dois metros!
LA 12/006
Leônidas Lazarone
só era terrível
no nome.
Sua esposa o tornara manso
como um lulu de janela...
que, segundo as amigas dela,
era muito simpático
e muito, muitíssimo educado.
LA 12/006
Só gosto de um negócio —
o ócio.
mas o ócio
sem bócio
nem sócio.
LA 12/006
Tive um amigo
que deu linha para a mente,
muita linha
( e com cerol )...
Quando pensou em recolher —
perdeu-se.
LA 12/006
Havendo a prevalência do espírito
sobre a mente,
aí, sim, pode haver autodomínio —
serenidade criativa.
LA 12/006
Marli era uma festa.
Dessas cujo sorriso
faz amor com a gente
na frente do marido.
LA 12/006
O coração não gosta dos gordinhos.
LA 12/006
Cada vez que ele chegava
ela já lhe perguntava:
Trouxe dinheiro?
Aí o cujo lhe mostrava a nota...
E ela: Ah, bom, meu bem!
Ah, bom!... Porque fiado,
fiado não dá, isto é:
não dou mais.
LA 12/006
O homem é tão corrupto,
que sua mãe juraria
que não gerou ninguém assim.
LA 12/006
Tem uma hora
que todo milionário
inveja secretamente
o pobre,
ou até o mendigo.
LA 12/006
Homeopatia e placebo
funcionam pela fé —
pela idéia
que agasalhamos deles.
Temos em nós
o poder da cura —
precisamos de algo
( entre sentir-pensar )
que o ponha a funcionar.
LA 12/006
A fé é o sentimento
de que Deus nos é e O somos —
então ficam plausíveis
todas as possibilidades.
LA 12/006
O homem cheira a morte.
É uma pitanga,
senão passada,
passando.
Frágil-forte, santo-crápula,
nem tanto, nem tonto...
Louco-normal, normal-normal...
Normal e louco:
sabe Deus que diabo é isso! ).
Herói-e-anti.
Maravilhoso e mísero,
grande-pequeno...
.....................................................
Mas o homem,
o homem sonha.
Sonha e faz —
o homem sabe ultrapassar-se
criando...
E além de tudo o mais —
não pode ser pequeno
quem inventou a esperança.
LA 12/006
— E Teresa?
— Montou um salão,
é mono-especialista...
— Mono o quê?!
— Só faz cavanhaque de xota.
LA 12/006
Ainda bem que há aquelas
que não seguem a moda —
xota
tem que ter sua mata ciliar.
LA 12/006
Que pouca vergonha!
Querem proibir
trepações na telinha.
LA 12/006
— O que está fazendo aqui o meu amigo?!!
— Nada não, nada não, André...
Só vim dizer à sua mulher
que a irmã dela, a Gracinha,
lhe mandou lembranças e abraços... e...
LA 12/006
José abandonou Teresa
que foi abandonada por Miguel
e rejeitada por Joaquim,
mas se casou com Hilário,
cara sarado,
apesar de padre,
que abandonou a cúria
para lhe dar cuidanças.
LA 12/006
O coração ama
enquanto bate,
ou bate
enquanto ama?
LA 12/006
Quando você se for,
muita gente estará em festa.
Não deixe de festejar a vida
nem de amar a si mesmo.
LA 12/006
Deus só quer que tu O ames
e ao próximo como a ti mesmo.
Quanto ao mais,
nem é preciso mais.
LA 12/006
Do futuro só sabemos
que estaremos mais velhos.
E pra que mais,
minha nega?
LA 12/006
Adeus, ano velho!
Preferimos o novo
até o fim do ano.
LA 12/006
Deixa a janela
só encostada...
Se a trancas
e dormes —
adeus-me as tuas pernas!
LA 12/006
O senhor Bush
e o senhor Blair
conseguiram —
vão matar Saddam Hussein
( enforcado )
daqui a trinta dias
( 30 no tempo deles...).
O mundo não disse nada...
talvez anestesiado pelo imbróglio
do ideológico
sentimento de justiça.
LA 26/12/006
A consciência mundial
se embuça
em sua nebulosa —
sempre que o mal lhe parece
longe de casa.
LA 12/006
Ainda que o homem
possa mudar seu destino —
isso não lho exclui.
LA 12/006
Senhores e senhoras marcianos,
cá na terra
pegaram pra criar um tal Diabo,
que já está bem maior do que o povo agüenta...
De modo que tudo tem andado
como este cara gosta.
E vamos nós cá vivendo
os nossos apocalipses,
nossos eclipses
e elipses
de cada dia.
LA 12/006
No entorno há paz.
Muitos pássaros gorjeiam
e nas árvores se presente
um sonho-sono venturoso.
LA 12/006
Lá longe um bem-te-vi
vive mentindo
ter visto.
Solta e gostosamente
o João de barro gargalha.
LA 12/006
Pios e flores
explodem vida
sob um céu
babaramente azul
de primavera.
LA 12/006
Ser feliz
é um estado por dentro
agarrado ao cipó
do momento.
LA 12/006
Esperar é ter com quê.
LA 12/006
Crer é superar-se.
LA 12/006
Amar é transcender-se.
LA 12/006
A fé
é o principal atalho.
LA 12/006
A paz nos seja o caminho!
LA 12/006
Por veredas em nós
procuramos por Deus,
nossa aventura.
LA 12/006
Lá nas vinhas
de nossa eterna libido
as amadas
vestidas de lua
amassam as uvas —
cujo sumo lhes escorre
do pescoço aos pés.
LA 12/006
Mais belo do que a amada
tomando banho
só a gente ajudando
tirar-lhe a espuma.
LA 12/006
Vera
era diluvianamente boa.
Padre Clemente não vencia
confessá-la.
LA 12/006
Laurinha era tão rotunda,
tão ondeante,
tão fofunda,
que quando andava apressada
dava tremeliques nos homens —
faziam “sins”, reiterados “sins”
com a cabeça.
LA 01/007
Lourdinha
tinha umas pernas
que se faziam olhar.
As de Marieta
davam calos na vista.
Eram gêmeas.
LA 12/006
Os pígios de Do Carmo
davam orgasmos visuais.
LA 12/006
Laurinha tinha uma cara
tão sonsa,
que parecia estar
num gozo inacabável.
LA 12/006
A mãe de Lucineide
lhe sentenciou:
Ou tu paras de dar,
ou some!
Sumiu.
LA 12/006
O pai de Vera
a advertiu:
Ou paras de mentir,
ou te troco o nome!
Não precisou —
ela fugiu com o farmacêutico,
que era bem velho,
mas bastante simpático
de bolso.
LA 12/006
Mário ululava
quando ficava sem.
Então Joaninha
vinha fazer-lhe faxinas,
até a mulher voltar.
LA 12/006
Quando o padeiro chegava
Rosinha já estava
com o café coado
e de banho tomado.
LA 12/006
Os Limões E A Limonada
Cidade praiana,
clima escaldante,
corpos malhados e com panos
só naqueles lugares —
padre Gregório
teve uma idéia prática:
Para pecados de adultério,
além das orações de penitência,
começou a pedir
( ou melhor: exigir )
cestinhas, cestas e cestões
de alimentos,
que eram pegos no supermercado X
e levados para a Creche Paroquial.
Resultado:
embora ter duplicado o prédio
e o número de crianças,
a comida era tanta e boa,
que o Sarado Greg
( era assim que o chamavam )
tinha que vender quase a metade
para não estragar.
E com tais vendas construiu
na própria creche
um sofisticado playcenter —
usado pelas crianças da casa
e usado e pago
por toda a região —
cujo dinheiro era revertido...
Bem, por aí já se adivinha
o que o astuto Greg não foi fazendo,
construindo, empreendendo —
prosperamente os leitos tremulando...
O bispo é que ficava encafifado
( expressão da própria eminência ),
que vez por outra lhe perguntava:
Mas como, Greg, como?!!
Com que diabos, homem!!??...
Ao que Greg, sereno e em voz miúda,
sempre lhe respondia:
Deus escreve certo
pelas nossas linhas tortas,
eminência!
E abafava a conversa
com um convite:
Vamos a um vinho que me enviaram
lá da pátria de Rousseau?
LA 12/006
A mulherada tá que tá!
Guerra às calcinhas!
A onda agora é dar um jeito
de mostrar a perereca.
E fazem bem, muito bem —
já estávamos cansados
de só ver bundas... undas... undas...
LA 12/006
Elas agora
fizeram a perereca
sair da moita —
derrubaram a mata ciliar
da ribeira.
Xiranha agora
tá de cara lambida —
feito espanhol que perdendo a guerra,
chegou em casa,
fez a barba
e olhando guloso
para a sua guapa espanhola,
ouve dela:
“!Credo, Manolo!... Ni te pareces más!...
LA 12/006
E a moda pegou —
xota agora
só escanhoada,
com um bigodinho logo acima,
um bigodinho
per
pen
di
cu
lar
LA 12/006
Que saudade! — me diz um amigo —
do tempo em que elas tinham
aquela folha de avenca
e uns capinzinhos em volta...
Aí eu lhe respondo:
Os acadêmicos que se adaptem
ou que se dêem um nó!
LA 12/006
Bem, mas falando sério
( me disse o André ):
A seriedade das coisas
depende de nosso estado de espírito,
como o melhor tempero
é sempre a fome.
LA 12/006
André também me disse:
O nosso espaço aéreo
anda um cu de serelepe —
ninguém acerta.
LA 12/006
Mas esta
não foi do André não,
é do Benito:
O nosso espaço aéreo
é como o bem-te-vi —
sempre jura ter visto
o que não vê.
LA 12/006
A mulher do açougueiro
era linda
de arredondar os olhos
da gente...
Seu sorriso era fino,
incisivo —
como o fio das facas
do seu marido.
LA 12/006
Marli era uma baixinha
taluda.
O português da padaria,
onde ela trabalhava,
era doido por jaca.
LA 12/006
Justificamo-nos e explicamos as coisas
para podermos continuar
justificando-nos
e explicando-as.
LA 12/006
Cinco países europeus e o Brasil
lançaram hoje
uma sonda espacial
à procura de outras terras
e outras gentes.
A descoberta científica
de outras civilizações,
além de povoar nossas utopias
provocaria uma guinada de consciência
das mais preciosas para a humanidade —
guinada que daria uma outra direção
a seus sonhos de futuro,
livrando-nos da angústia do plausível,
do só acreditar
pela graça de tocar
pelo saber.
LA 12/006
A grande paródia da intelectualidade de hoje
está na dialética entre o objetivo
e o subjetivo — um fazer
pelo não fazer: um reduzir
dentro da vontade de expandir.
LA 12/006
Vida e morte
é um processo
de essencialização da existência
numa consciência a expandir-se
por dentro,
como o universo
por fora —
lá em sagas de ser a ser-se.
LA 12/006
Um amor de brechó:
lavado,
passado a ferros —
cheirando a muitos.
LA 12/006
Cada galinha com seus pintos,
cada pinto com suas pintas.
LA 12/006
A cracia do demo
também pode chamar-se
democracia.
Entre uma e outra
temos de viver as duas.
LA 12/006
Trocar parceiros maduros
por outros mais jovens
nos tem mostrado
tanta alegria e encanto
como trocar o ano velho
pelo novo.
LA 12/006
A justiça,
em banho-maria,
boceja
e coça a xota.
Seus paladinos
estão passeando
e saboreando
seus semanalões,
seus mensalões,
seus anualões
e décimo nono
e vigésimo oitavo
e trigésimo quarto
salários —
fora aquilo
que só Deus sabe,
mas se cala.
E o auto-aumento
dos donos
de 91,1% —
já se deu?
Buscou-se uma outra via,
transfigurou-se em quê?!
O momento se encontra
terrivelmente enfermo
de Egoísmo.
LA 12/006
Vingança
Saddam é morto.
Seu País invadido,
saqueado,
ideologizado
e feito caos —
Bush-Blair forjaram
e compraram
lei-justiça —
e o mataram
enforcado
no amanhecer deste sábado
de 30/12/2006.
O termômetro da consciência
universal
revelou-se sem mercúrio.
Primeiro deixaram que a vingança
fosse um prato
friamente comido —
só depois defecaram pela boca
alguma coisa.
Cadê a ONU, meu Deus?!
Cadê a consciência cósmica,
nem bruxuleia no homem?!
Falta muito e muito
para a consciência coletiva humana
assimilar a misericórdia.
Pelo caminho da tecnologia
não chegaremos,
não chegaremos,
não chegaremos
a transcender esse imbróglio que hoje somos
em misericórdia e altruísmo —
sim, vamos ter de voltar
e recomeçar por aqui:
“MISERICÓRDIA QUERO
E NÃO O SACRIFÍCIO.”
LA 12/006
Achei abominável
a morte de Saddam Hussein.
( Não porque gostasse dele,
mas pelo que a história
nos tem mostrado
na geopolítica. )
Pensei que a Humanidade
fosse menos pequena:
reagisse pedindo
que tal assassinato
fosse reconsiderado
e impedido.
Senti-me rato,
ou melhor: senti-nos ratos.
Somos muito pequenos.
ONU:
Omissão às Nações Ultrajadas
LA 01/007
Os homens fazem e desfazem,
passam e se esquecem...
Mas um dia cósmico os espera —
vão ter de refazer.
LA 12/006
Feijão no fogo,
Rosinha,
feijão no fogo!
Que o mundo é um logro.
LA 12/006
O ser humano troca de ano
com a mesma satisfação
com que troca de parceiro —
desde que este seja mais moço.
Ergamos nossas taças —
Tim-tim!
Feliz ano novo!
LA 12/006
O ano novo
é esperado
e bajulado
pelo povo.
Feliz ano noooooooooooovooooooooooooooo —
voou, voouuuuuuuuuuuuuuuuuuu....
Sempre voa sempre voa sempre voa sempre voa...
E o seu lado belo
é justamente
estar voando —
ser vôo sem penas
nem ave (!).
LA 12/006
O que passou,
passou
e jamais retornará.
Se retornasse,
veríamos que não tinha sido
assim tão bom —
ou seja, que o melhor do que passou
foi o seu lado passarinho —
foi ter passado.
LA 12/006
Adeus, ano velho!
Porque chorar-te,
se vou ter outro novinho
para as minhas esperanças
tomarem sol, tomarem chuva...
se coçarem,
andarem sem calcinhas...
( não é a última moda
entre as cês de grife
do momento? )
e amarrarem o burro à sombra
dos velhos, belos sonhos que emigram
ano a ano
e são ninados
pelos braços
da nossa fé?
Adeus, meu velho!
Você passou
e eu prossigo —
e esta é toda a minha glória!
LA 12/006
O amor é como passagem de ano —
um se vai,
outro se vem —
gostosamente renovados.
LA 12/006
Novo ou velho —
ano é ano.
Plural: anos
( isso todo mundo sabe,
o que não sabe é que
se o confunde com ânus,
então até se machuca,
porque são coisas
bem diferentes ).
LA 12/006
Cada ano
com seu ânus,
seu escroto
ou sua xota.
Cada tiziu
em seu arame,
cada caos com seu cosmo.
O mais são
boca com boca,
picos e vales,
cus e cus-cus,
cus e pin-pin,
picas e vulvas,
buça com buça
e orgasmo insano.
Feliz novo ano!
LA 12/006
Um 2007 muito, muito novo.
Um 2007 abençoado em todos os aspetos
para nós todos,
para toda a Humanidade!
O sonho-mais em nós
nos ilumine,
nos renove,
transforme o nosso entendimento —
para que Deus nos seja, sim:
Ele-mesmo nos seja o que nos falta.
LA 01/007
Sim, senhores,
e há o lado
espiritual
( da passagem ) da coisa —
isto deixo para aqueles
de subida evolução —
deixo aos espiritualistas
sem espírito.
LA 12/006
Há dois tipos de intelectuais:
os que se ajudam uns aos outros —
se promovem,
se editam,
se comentam,
se exortam,
se fortalecem.
E os que se seguram pelos pés,
não se deixam sair do escuro —
se abafam,
se reduzem,
se denigrem,
se enfraquecem.
Sim, de um lado
os intelectuais criativos,
os que amam a arte
e a testemunham ao sol.
E de outro lado
os intelectuais canalhas,
os que amariam fazer arte,
e serem reconhecidos,
mas não podendo,
reduzem,
diminuem,
soterram
todos aqueles
que poderiam fazê-lo
à sua volta.
Numa palavra —
são canalhas
estéreis e arenosos.
Fazem das artes
um poste
mijado de cachorros.
LA 12/006
Quem não pode com mandinga
não carrega patuá.
Sim: não desafie
o mistério.
O conhecimento
é o que pode libertar-nos.
LA 12/006
Você só vê que o mundo
é um vale de lágrimas
quando o destino o sincroniza
com este vale
e estas lágrimas.
Sim: quando viramos personagens
da história que estamos lendo
é que vivemos
suas verdades
e belezas,
seus horrores
e delícias.
LA 12/006
A minha filha Márcia,
que tem nível universitário
e é professora de Português
e suas Literaturas,
nunca escreveu no Livro de Visitas
do meu site.
E eu fico a perguntar-me:
Por que é que minha filha Márcia,
que tem nível universitário,
é professora de Português
e suas Literaturas,
nunca escreveu no Livro de Visitas
do meu site?
Escrever é mesmo um ato
solitário.
LA 12/006
Há coisas que não há como entender,
a gente até entende...
Outras que...
a gente até entende...
Muitas que...
a gente até entende...
E finalmente inúmeras que...
a gente até entende...
O que não dá para entender
é porque a gente até entende
sem entender.
LA 12/006
A vida é cheia de chegadas e partidas —
a que não se chega nem se parte nunca...
Uma ilusão de viagem
dentro de outra viagem...
Sim, a vida é meio louquinha...
Para entendê-la —
só de lado,
bem de lado —
só não fazendo questão...
Aí, sim: tudo vai ficando mais...
mais o que mesmo?
LA 12/006
Te deixares cair?
Que luxo
te deixares cair!
Quem é que iria
te levantar?
Sim:
se te deixas cair,
nem podes te dar a mão!
E não podendo tu
te dar a mão,
quem é que te daria?!
Pensa bem, cara,
pensa bem,
antes de te deixares
cair.
LA 12/006
Crise. Tempos de não.
Cadê as vozes,
os pincéis,
as penas,
as partituras,
os cinzéis?...
Crise. Tempos de não.
Cadê aqueles
que fazem
haver
o sonho-mais?
Que silêncio, meu Deus!
LA 12/006
Aqui, o pio do bem-te-vi
cai lá na cama elástica
do meu ouvido...
e fica num sobe-desce, num vira-vira,
num cai-não-cai —
até a vida enchê-lo de novo
com o canto verde das maitacas, que eis...
lá se vão num vôo cor de folhas...
bonito em seus gritos valentes,
bonito em seus gritos valentes....
LA 01/007
O caracol deixa um rastro de baba.
Parece um político ( daqueles... )
dizendo
que não foi ele não que fez aquilo.
LA 01/007
Você se vinga, mas não adianta —
logo será vingado.
Sim: vencedor e vencido
se vingarão eternamente —
ou até que um deles veja
que está fazendo contra si mesmo.
LA 01/007
Há dois que mais amarram —
a maldade e a ignorância.
LA 01/007
Mens sana in corpore sano —
uma mente sadia num corpo saudável.
Esporte é necessário,
tanto quanto o trabalho.
Mas ao meio, aos lados,
abaixo, acima disso
deve estar a arte,
: a arte, o sonho-mais —
o ser humano a transcender-se:
legitimar-se possuidor
da imagem-semelhança.
LA 01/007
Conhecer é conhecer-se,
conhecer-se é conhecer —
sim, nenhuma distância
entre o outro e nós.
Diferenças, sim: somos,
graças a Deus, bem diferentes —
a fim de conhecermos
as nossas semelhanças.
Bem inespoliável:
durável-reciclável —
eternamente em pauta,
é o conhecimento.
Conhecer-conhecer-se
seja, potanto,
nosso maior tesão!
LA 01/007
Quem tem telhado de pedra
pode ser esmagado.
Já quem o tem de barro
há de ter telhas
sobressalentes.
E quem o tem de vidro
tem que tomar cuidado
com os grânulos hialinos —
sobretudo na hora
de passar o dia a limpo
com a patroa.
No mais, tudo normal —
a cada dia seu mal.
LA 01/007
Quem não chora não mama —
disse alguém —
e o André pespegou:
Conforme a mama,
é melhor
a gente só comer o queijo.
LA 01/007
Ela chegou tão fatal,
que fez gorjear
um anu e um pardal.
LA 01/007
Xiranha com abacate?
Não, não faz mal.
É só tomar cuidado
com o caroço.
LA 01/007
Toma, nega: te trouxe
lá da Daspu —
três calcinhas invisíveis,
ou se preferes: virtuais.
Assim fica mais fácil
pra gente dar aquelas rapidinhas.
LA 01/007
Vocês não vão acreditar,
mas a inveja
tá sempre de pau duro.
Ousar e calar
anula essa senhora macho-fêmea.
LA 01/007
Com um punhado de pólvora
você constrói um show
ou um cemitério —
depende do que você é
lá em você.
LA 01/007
Feliz 2007!
Sim, pinte o sete
antes que venha o 8.
LA 01/007
Este será um bom ano,
salvo engano —
tão humano.
LA 01/007
A perua da Inês
botou um ovo
que puseram pra chocar,
mas o pai dela
( por sabê-lo não-galado )
fez uma baita omelete
e a comeu só e calado.
Conclusão:
o que o peru não fez
fê-lo por metonímia
o pai de Inês.
LA 01/007
O pai de Genoveva
( juro: chamava-se Genoveva )
implicava com seu namoro
sentada no portãozinho
de ferro
com Geraldinho mecânico,
alto, em pé, como dois bambus...
Uma noite o velho bronqueou feio
dizendo que não podia dormir...
Foi então
que o esperto do Geraldinho
passou graxa nas dobradiças —
e adeus problema,
nunca mais acordaram seu Rubão.
LA 01/007
Em nossos passos lá em ser,
entre uma passada e outra,
há um desequilíbrio momentâneo —
vertigem de ultrapassar-se:
um pé pisando o chão,
outro pisando o abismo...
E vamos que vamos,
que o caminho é esse mesmo!
LA 01/007
Daqui deste cantinho
reescrevo o mundo,
que passa por mim lá dentro.
Reescrevo a mim,
que passo pelo mundo
e o interpreto
e mais a mim —
interpretado nele.
LA 01/007
O amor planta caraminholas
lá em terras de sonhá-lo,
bem no entrepraias de amá-lo.
E saboreamos seus frutos —
seus deliciosos enganos,
suas venturas infelizes,
suas ditosas mumunhas,
seus muitos favos e favas...
Seus relacionamentos
suados.
Também o amor
planta minhocas
para a gente pescar —
e deixa-nos ali,
à beira do barranco
à espera de o bichinho
vir morder...
Sim, o amor é ridículo,
mas é a diversão maior
que a vida inventou pros bichos.
Pobre de quem não o tem (!) —
além de não ter nada
nas mãos,
fica com os dedos
sempre coçando,
coçando,
mas não florescem.
LA 01/007
Se o amor não soubesse fazer contas
nem faria tanta conta
das contas que nos faz.
Mas é danado de esperto
nas contas,
quase um malabarista
no somar e no tirar...
Perverso no multiplicar,
terrível no dividir.
Já outras vezes,
ele finge que não faz conta,
mas faz. Aliás,
já está feita,
depositada e a juros.
O amor
quase nunca faz de conta.
LA 01/007
Se você não acreditar no amor,
azar seu!
Vai acreditar no quê,
em lobisomem?!
O homem, compadre,
tem que unir a casa
com o pomar.
LA 01/007
Viver,
sempre viver
e ver seu custo-benefício —
seja no social,
seja na moita —
trabalho e festa se compensam.
E é tudo muito bem feito,
meu compadre —
a grande maioria
se recompensa mesmo
é lá no entrepernas do amor.
No resto,
cadê com quê?
É por isso, meu caro,
que fica o velho pelo antigo,
o dito pelo redito:
o amor é sempre a maior festa.
LA 01/007
O melhor desta vida
é conviver rapidinho —
no trabalho,
na igreja,
no esporte...
e cair na nossa moita:
ler-estudar-escrever
e hastear as tuas pétalas,
ó minha Rosa.
O mais
é sempre um Deus nos acuda,
um estar
entre a palavra e a solidão.
LA 01/007
Devagar se vai ao longe,
mas depressa já cheguei.
Se bem que não te achando,
ó minha nega,
não me adiantou correr.
LA 01/007
Vivemos rastejando
pela felicidade,
e só não a encontramos
por não saber o que ela é.
LA 01/007
Inventar coisas
é o que mais fazemos,
e o que mais sabemos.
E já que as inventamos —
que sejam coisas felizes!
Sim: inventadas, mas felizes.
LA 01/007
Daria uma Ferrari
por tuas pernas.
Mas como não a tenho,
me contento em te levar
na garupa da minha moto.
LA 01/007
Fosse eu um daqueles mamíferos
que têm harém,
te levava, minha nega,
pra ser a odalisca do meu.
E cada coisa que eu fizesse,
minha amada,
seria pensando em ti.
LA 01/007
Lembras-te, minha nega,
de como a nossa mula
nos xingava em espanhol,
chinês, asteca, italiano...
quando inventávamos de trotear
abraçadinhos, peladinhos,
cobertos de luar
em volta do casarão?...
LA 01/007
Belos tempos!
A lua cheia nos vestia
e a gente espremia uvas
sobre o macio da grama
bem sob a tua janela...
LA 01/007
Belos tempos!
Joaninha tomava banho
com o vitrô bem aberto
em que anteparava os peitos
enormes
e ensaboados
( enquanto enxaguava outras partes).
LA 01/007
Belos tempos!
a gente nem se dava conta
de que existia tempo
em parte alguma da vida.
LA 01/007
Se porventura um dia
a gente achasse
essa tal Felicidade,
podia ao menos convidá-la
pra jantar.
LA 01/007
Mulher séria
não trepa no primeiro encontro,
só no segundo,
ou ( aquelas muito sérias )
quando vêem que é o momento.
LA 01/007
Era um cara tão sério,
desses tão ao pé da letra,
que por três vezes
quase mata a mulher.
Vejamos ( foi numa noite
de chuva fina e propícia... ):
“Ai, meu bem! Ai, meu bem! Mata-me, mata-me!...”
E ele pega o criado-mudo e...
mas ela GRITA-LHE A TEMPO:
“Pára palhaço pááááááára!!!
Pára! Bocó de merrrrrrrda!
Ufa, panaca! UUUUUUUU.........FA!...
Será que não entendes
a linguagem desta hora?!”
LA 01/007
Dez da noite. Sozinha em casa,
ouviu bater: era o vizinho...
E aí?... Estava só de camisola...
não dava tempo de cobrir-se —
ele podia se ir... Meu Deus,
o que fazer?... Fez, isto é, saiu
de lado e a meio corpo... As
mãos cruzadas sobre os peitos,
encurvada, os cotovelos
empurrando o pouco pano
coxas abaixo... enquanto diz
ao elegante moço:
Espera um pouco, André...
vou me vestir... Olha o jeito que estou....
Ao que lhe diz o rapaz conturbado:
Imagine, Patrícia, ima...imagine!...
Nem precisava tanto,
nem precisava...
LA 01/007
Toda verdade
tem seu ângulo-direção.
Se a vires por outro lado,
a desvias de ti.
LA 01/007
Desvia-te do perverso
e do santo.
Procura em ti um caminho
que vá além desses dois —
que te leve ao Um em ti.
LA 01/007
O homem
precisa aprender Misericórdia:
assimilá-la em seus genes
bio-psico-espirituais.
Depois desse aprendizado,
a tecnologia
lhe será muito útil:
útil-edificante.
LA 01/007
Meu amigo fez-me a gentileza
de sua visita.
Falamos por mais de duas horas,
sim: por mais de duas horas,
até vermos que não tínhamos
verdadeiramente nada
a nos dizer.
Despediu-se. Nos abraçamos.
Ele se foi.
A amizade não precisa de motivos,
nem de congruências.
É sempre aquele cafezinho
que nos passam na hora.
LA 01/007
Daqui a pouco te vais,
levando nada
em tuas mãos de vento.
Daqui a pouco
não haverá muito
nem pouco —
daqui a pouco.
O que és
há de caber numa casca
de noz —
uma consciência de ti mesmo
a saber que Deus te é
a caminho de O seres.
Sim, és uma consciência
a caminho de seres
o que te falta.
Uma viagem,
que és tu,
dentro de outra viagem,
que é o Sonho-Quem,
em ti.
Só levas
o que estás sendo
dentro do sonho
do que te falta.
LA 01/007
Concentração da riqueza,
repartição da pobreza —
deboche universal.
LA 01/007
Não raro,
quem legisla
o faz
dando às leis varias brechas —
escapatórias para si
e para a sua descendência...
já que as regalias são hereditárias.
LA 01/007
Coveiro trabalhando,
médico dando um diagnóstico,
juiz proferindo uma sentença —
não devem rir.
Mas você,
se não está agindo
como nenhum desses profissionais —
você, cara, pode rir —
aliás, faz sempre bem
e muitas vezes
é o único remédio.
LA 01/007
Marilda o tratava como cão,
trazia-o sob a sola.
Dava-lhe o quanto e quando
ela-Marilda houvesse por bem.
Mas ele nem precisava de sexo,
nem da sua fartura
siliconada —
só desejava mesmo
seu desprezo e pancadas.
Em geral exibia um gesto
de santo martirizado,
reiterando pelos bares
e na escola que dirigia,
que a amava,
que a amava muito.
LA 01/007
O vento sopra para onde quer
e com ele
os deliciosos enganos
que os homens chamam de amor.
LA 01/007
Gemer paixões é cultural.
Sim: cultural,
fatal —
o doce mal
que era normal
e hoje boçal:
mesmo caricatural,
que por sinal
já fora trivial
e agora muito sem sal —
um mal em seu fim final,
mas que festa! Um Natal.
LA 01/007
Depois do temporal,
vem a enxurrada —
e ninguém ajuda em nada,
aliás, saqueiam
alguma coisa que restou.
LA 01/007
Saudade, minha nega,
só a de depois de amanhã —
quando incendiaremos juntos
nossos lençóis. Sim, minha nega,
saudade —
só das fungadas
que ainda não demos.
LA 01/007
Use o seu coração
como piloto automático —
ele sabe de cor
o caminho de Casa.
LA 01/007
Para chegar,
ouse
lá no seu coração —
e espere já lá chegado.
LA 01/007
Tu és luz.
Deixa que a tua luz brilhe
e se enfeixe
com aquela da tua Casa.
LA 01/007
Viemos com a luz.
Iremos com a luz.
Sim: a luz é o nosso veículo —
nossa ontocondução.
LA 01/007
Amemos a luz,
desejemo-la
com toda a nossa força —
além de boa companhia
ela é o caminho interior.
LA 01/007
Deus nos é
enquanto estamos
a caminho de sê-Lo.
E é nesse enquanto estamos
que existe nosso destino:
aquilo que fizemos,
fazemos
e feremos —
ele nos dita o nosso estado-ser.
Claro que ao sabermos disso,
nossa vontade pode mudá-lo —
mas só até certo ponto.
LA 01/007
Vivemos para essencializar
tudo quanto esperienciamos —
tornar a vida em sonho:
dar-lhe um caminho,
um sentido,
uma finalidade
pelo nos transformarmos
e nos organizarmos nela.
E operamos essas coisas
pela renovação constante
do nosso entendimento.
LA 01/007
Pretende-se resolver
no pau
e na bala
as omissões reiteradas
do passado e presente.
LA 05/01/007
O fermento das diferenças perversas
faz a consciência
arrebentar os diques sociais.
Chega um momento em que já não dá
para empurrar com a botina
as diferenças:
entre a vala e o arranha-céu
há um serviço
de humanoplenagem.
O desprezo,
a pancada
e a bala
matam —
mas não calam.
Daqui para a frente
não vai dar para fingir
que tudo está sob controle —
tal perversidade
já não cabe.
Ninguém segura o vinho novo
lá nos odres da consciência.
LA 01/007
Veio-me o amigo.
Sentou-se.
Falou
de um modo assim
tão além
do mal,
do bem —
de um jeito zen
mais lá que aquém,
de como quem
não vindo vem,
não tendo tem —
assim: sem com nem sem,
ninguém-alguém
num riso-amém
de quem pegou o trem
que nem já vem...
Depois falou calado,
calou falando
sem como ou quando
num quase tom sem dom
para comer goiaba
ou chupar jabuticaba
com um pé sobre o muro
( estava escuro ) que eis...
desaba!
E a história acaba
como um chapéu sem aba.
LA 01/007
Ela me telefonava,
sempre depois das onze.
A voz de uma seda lustrosa
a cair-me por dentro das vísceras
com penas a fazer-me cócegas...
Ciciava que ciciava
soprando brasas
sob cinzas que voavam...
Eram instantes labaredas
queimando velhas sedas...
em alma de lembrá-las
desenhando seu corpo
dentro e fora de mim...
E era bom, muito bom conversar com ela
com a voz passando penas
lá por dentro em mim senti-la...
senti-la inteira, sim, ela toda,
nuela e nua em sua
vestimenta de lua
em minhas sensações
que a engoliam
inteira
feito uma píton,
feito uma píton
na noite fria
ventando frio
e arrepiando o escuro...
LA 01/007
Claro que a conheci.
Elástica, lindona...
Arrepiava sonhos.
Dava até pro marido.
LA 01/007
Por que escrevo?
Para mostrar para mim
que há um modo de dizer
que é melhor que não dizer.
Reconto-me as coisas
porque sei que elas têm
muitos corpos e faces.
Porque sei que pelo ver
e narrar
reciclo-me a compreensão
da realidade.
Não escrevo para mudar
coisa alguma
nem a ninguém,
mas para organizar-me
enquanto mastigador
de remoalhos
do meu ver em revisões.
LA 01/007
O verbo
é como aquele fio d’água
sobre a panela suja —
desengordura a gente.
LA 01/007
Tive um amigo do peito,
muito bondoso e inteligente,
que um belo dia me disse
( perto de um outro amigo )
que poesia é aquilo
que todo mundo faz
e ninguém lê.
Aí André lhe respondeu:
Aquela que todos fazem
não dá mesmo pra ler,
mas a sua, se me desse a honra,
gostaria de ler...
O amigo não ficou vermelho
porque era só um invejoso —
vergonha nunca teve.
LA 01/007
O amor é cego
mas enxerga bem.
LA 01/007
O ciúme é feio,
mas todos têm.
Se todos têm,
fica passável,
ou quase —
desde que se negue sempre.
LA 01/007
Pra frente, minha gente!
Que atrás vêm os tarados.
LA 01/007
Meu amigo estudara
as religiões e seus profetas —
principalmente aqueles tais
que nos criaram minhocas
para pescar:
pecar peixes que há
e aqueles que não há.
Sim, principalmente aqueles
que nem santos nem demos
ou arrebatados teólogos
jamais entenderão.
Meu amigo conseguira
decodificar
um conhecimento,
uma revelação
cósmico-planetária
de fazer tremer as pedras —
UMA DESGRAÇA DAS GROOOOOSSAS:
UM SENHOR APOCALIPSE
DE FIM FINAL.
Meu amigo olhou-me transtornado
como a quem não lhe podia
acompanhar a altíssima revelação,
e me disse um até-logo-adeus
molhado das lágrimas interiores
de sua condoreira espiritualidade.
LA 01/007
Sonhei que estava
lá nas areias piramidais
e sarcofágicas dos faraós.
E namorava, isto é,
sonhei que namorava a Esfinge,
que me dizia:
Decifra-me, meu mortalzinho,
meu pudim de leite de égua,
decifra-me, ou te como...
meu amorzinho virtual!
Virtual?! Aqui indignei-me:
tomei um pílula do Hulk,
transformei-me num gigante de pedra...
e adivinhem o que fiz!
Acertaram —
comi a Esfinge.
LA 01/007
Sim, uma imagem vale mil palavras.
Por outro lado,
se eu lhe puser numa das mãos
uma mala cheia de dólares
e na outra um pôster
da Casa da Moeda americana —
qual dos dois desejaria
levar para a sua casa?
LA 01/007
Confessando-se
Laurinha pergunta ao padre:
Este ditado: Quem tudo quer tudo perde,
é válido mesmo, frei Jacinto?
Tem sido, minha jovem, tem sido.
Quer dizer que se eu não souber dividir
meu cônjuge com outras,
eu o perco?!
Pode perder, Laurinha, pode perder.
E se eu não me dividir,
posso perder meu cônjuge?
Posso, meu sogro e confessor?
Não, minha filha, ele não a deixará por isso.
Eu e meu filho somos padres do Oriente
e o conheço tão bem quanto a mim:
temos que nos dividir com as pessoas, minha cara,
é da nossa profissão.
Tome muito cuidado, Laurinha,
com as palavras
e sobretudo com os provérbios.
A mesma frase que serve a uns
desserve a outros.
O adágio: Quem tudo ( ou muito ) quer
tudo perde
é só uma frase
tirada do seu contexto —
portanto falsa.
LA 01/007
Vive todos os dias como se fosse o último,
assim quando acordares saberás
que estás no primeiro dia da tua vida.
LA 01/007
A vida é como a goiaba —
a gente aproveita
as partes não-bichadas.
LA 01/007
Tive um amigo que esperava
dias tranqüilos
para escrever o seu livro.
Claro que não escreveu
nem no papel nem na areia —
talvez o tenha feito no vento.
LA 01/007
Certo amigo me disse
que tinha muitas belas idéias...
Rindo respondi a ele
que agora só precisava
transformar tais idéias em palavras.
LA 01/007
As canções expressam
nossos sonhos do avesso.
Do contrário, não precisaríamos,
ao ouvi-las,
concordar que elas desviram
nossos sonhos
para o lado
da nossa realização.
LA 01/007
Não queiras conhecer alguém
por lhe admirares a obra.
Todos aqueles que o fazem
ficam decepcionados.
Uma obra é o reflexo da coisa,
jamais a coisa:
o criado
é só imagem-semelhança.
LA 01/007
Às vezes ter razão é detestável.
Mas, se se tem, o que fazer
senão saber que tê-la
não leva a nada?
LA 01/007
Daqui a pouco já não somos —
éramos.
Se bem que há nisso
uma compensação —
ser ou não ser
já não será nenhum problema.
LA 01/007
Se a vida já não presta,
imaginemos o resto!
A melhor droga
ainda é viver.
LA 01/007
Como tudo
o que é sabichudo,
a vida não é de confiança.
E não aceita fiança
nem póstuma cobrança.
O negócio é vivê-la
como um jantar erótico
( que não precisa ser exótico) —
assim à luz da vela...
ou em cima do muro,
mas sem nenhum seguro
para que os nossos herdeiros,
por vezes tão zombeteiros,
não dancem nenhuma rumba
em torno da nossa tumba.
Sim, a vida não usa trança,
nem é nenhuma criança —
por isso
seu tom omisso
não merece confiança.
LA 01/007
— Você tá rindo por quê?
— Por nada.
Desde quando pra rir
é preciso porquê?
LA 01/007
Você já viu o Diabo?
Nem eu.
Mas vi pessoas
que só podiam ser demônios.
LA 01/007
Não acredita no Diabo?
Então fique sem dinheiro
na terra dos homens,
e lhe juro:
você o verá!
LA 01/007
Marilda me disse um dia:
Os homens são todos iguais!
Respondi à minha amiga:
A ver por seus binóculos,
vocês também, minha amiga,
são absolutamente iguais
a todos os homens.
Rimos gostoso. Sabíamos
que cada um deve ser
deliciosamente
a droga que é.
LA 0/007
As diferentes igualdades
fazem toda a diferença,
e as falsas diferenças
fazem as igualdades.
LA 01/007
A pior coisa deste mundo
é o cara saber demais
o que não sabe.
LA 01/007
Ela foi uma delícia:
pedante,
autoritária
e coquete!
Pisou nas bolas.
Pisou com força
e para sempre —
uma delícia!
LA 01/007
Vocês são maravilhosas
e o nosso maior tesão.
Isso até quando escondam bem
o nosso nunca ter razão.
LA 01/007
Antes a goiaba com bicho
que nenhuma.
LA 01/007
A chuva castiga —
os pobres, é claro.
LA 01/007
Uma ponte é só uma ponte —
enquanto ela não cai.
LA 01/007
Temporais castigam os pobres,
os pobres
do Rio e de São Paulo.
LA 01/007
A chuva cai intensa,
densa,
imensa.
Sem medida,
a vida engole a vida.
LA 01/007
O que me falta
é diferente
do que lhe falta
( falo da nossa falta de ser ) —
mas mesmo assim
a nossa falta
traz em si
algo que nos diz respeito —
é humana.
LA 01/007
Salomão amou a sabedoria
e foi de fato um sábio.
Mas seu saber
não o privou de ser humano:
falou do tédio,
da vaidade,
do enfado —
do saco cheio pela vida,
pelo mundo,
pelo próprio prazer...
Salomão foi gente com gente,
foi sábio com sábios.
Sabia que Deus nos é
e cada um
está a caminho de sê-Lo.
Seus livros são deliciosos,
são-nos bons companheiros
os seus livros.
LA 01/007
Sim, o amor cansa.
São muito cansativas
as coisas que não são.
LA 01/007
Não, hoje não posso faltar.
Mesmo porque, minha nega,
sem meu trabalho,
sem a minha simpatia:
o meu cartão de crédito —
adeus-me o teu coraçãozinho,
que tem suas razões
que até a razão conhece.
LA 01/007
Matutando
Chuva grossa caindo desabada
em seu chiado com trovões lá longe...
Estou sem namorada ou cão que me ame,
e eu nunca tive vocação pra monge.
A minha amada, lá um tanto irada,
correu-me atrás ( em sonho ) com um alfanje...
só porque não lhe quis comprar salame
com a rua alagada... Essa Solange!...
Chuva e vento com fúria redobrada,
e eu sem capa e galocha nem vontade
de enfrentar a cidade enlameada...
Chuva , bastante chuva e trovoada,
e os meus sapatos cruzam a cidade,
firmes, levam-me à casa de Esmeralda.
LA 01/007
Se Vires Por Aí...
Se vires por aí aquela Inês
que nunca foi rainha nem sofreu
a não ser mal de amor: que nunca fez
mal a ninguém, mas só lhe apeteceu...
Se vires por aí aquela Inês
que sempre fez, refez e aconteceu
ao sol e à noite, e que adotou o “talvez”
bem entre o sim e o não, e assim viveu,
vive gostosamente por aí,
assim como o tiziu e o bem-te-vi...
Sonha, realiza e vive, mas de viés...
Inês: faz mel, ferroa, zumbe como abelha...
Se vires por aí aquela Inês,
diz que lhe adoro os sutiãs de orelha.
LA 01/007
O que pensas ter no outro
não está no outro,
mas no teu sonhar-te ali.
Sonhar-se no outro
é a via andante
que o transeunte
traz em si.
Se nós não somos Deus,
Ele nos é.
E entre Ele nos ser
e a nossa marcha até sê-Lo
está nosso destino:
aquilo que temos criado.
Pela vontade-agir
podemos mudá-lo —
até certo ponto...
No mais,
a saída é vivê-lo —
de um modo pelo qual
nos livremos do mundo
e de nós mesmos.
LA 01/007
Hoje morreu o gato Paulinho.
Quando lhe veio a dona,
que lhe acariciou o rosto,
olhou-a manso e forte
e lhe disse todas as coisas do mundo —
dentro do seu último, discreto
e já frágil miado.
LA 10/01/007
Sim, o gato Paulinho
morreu
com a dignidade dos bichos —
manso, calmo, sem medo...
e olhando, olhando amor.
LA 01/007
Aprendemos muito com os bichos —
aprendemos as coisas humanas
que ensinamos a eles
e já esquecemos.
LA 01/007
Sim, os bichos domésticos
aos poucos vão se humanizando.
Aprendem rapidamente
as nossas humanidades —
talvez porque com eles
podemos abrir a guarda
do humano em nós.
Sim: com eles
somos bem mais honestos
e espontâneos.
LA 01/007
Por bobagem que pareça,
o homem, a mulher de hoje
são cada vez mais solitários,
e seus animaizinhos
lhes humanizam
a solidão.
LA 01/007
Muitos povos
julgavam que os animais
de casa
desviavam nossos males
para si.
LA 01/007
De fato,
viver rodeado de bichos
nos dá ares de majestade...
Sentimo-nos bem
recebendo de volta
o amor que damos aos bichos,
amor, aliás, que se nos reverte
em afetos-preenchimentos —
somos amados!
LA 01/007
Os bichos vão bem, obrigado!
E tudo estaria bem,
não fosse a psicologia
invertida
que há nisso —
dá-se trato especial para os bichos
e desprezo aos seres humanos.
LA 01/007
Claro que o contato
com animais domésticos
há de nos ser
prazeroso e benéfico.
Fonte de aprendizagem
e barganha de afeto.
LA 01/007
Você não foi,
mas
se arrependeu.
Pensa que fora melhor
tivesse ido...
O humano em nós
é desse jeito mesmo —
nos pune porque-não,
nos pune porque-sim.
Assumir o “não” ou o “sim”
é só o que podemos.
O mais,
o mais é não saber...
E não saber
é sempre a melhor parte.
LA 01/007
Cantando,
se dizem horrores
e ternuras.
E todos aplaudem
civilizados,
fingindo
que adoraram.
De fato é belo
saber fingir,
além de arte,
é belo:
o belo de fingir —
a beleza-verdade
do momento.
LA 01/007
Recém-macacos arrogantes,
antes de aprendermos Relacionamento,
construímos tecnologias
para nos sobrepormos aos outros.
Criamos infinitos “ismos” e “ias”
e depois de milênios e milênios
nunca estivemos mais destruidores!
Hoje pensamos que nem temos jeito —
sim, temos consciência
da nossa insanidade, ou melhor:
periculosidade.
O diabo foi termos passado
à frente dos bois o carro...
Fomos alunos equivocados —
aprendemos a destruir
bem antes de criar...
Sim, hoje destruímos
em proporção geométrica
e criamos
segundo os passos que empreendemos
para subir uma colina.
Uma aprendizagem
que nos faz dominar técnicas
( em descompasso, ou nenhum passo ),
em visível desvantagem
com o crescer do humano em nós.
Aprendizagem
que a cada dia leva o mundo
a atolar-se no auto-engano:
falta-lhe simpatia, amor
pelo ser humano:
o afeto que preenche diferenças.
A saída seria
aprendizagem-desaprendizagem-reaprendizagem,
em que o novo processo
de aprender
fosse a essencialização
da vida em humano —
amor-e-técnica
com técnica-e-amor.
LA 01/007
Bendita libido(!),
cuja força
faz alcançar o inalcançável,
dando aquela sensação
de achar no outro
o que nos falta.
LA 01/007
Ninguém nasceu aprendido.
Se não se aprende não se é.
01/007
Apocalipse é ensinamento,
e não tragédia:
revela o processo de ser —
a essencialização da vida
em humano-transcender-se.
O apocalipse se deu,
está se dando
e se dará.
Entre o ser
e sua precisão
de abrir-se em flor-consciência
reside o apocalipse de cada tempo —
o homem em busca
de sua falta
de ser.
LA 01/007
Um rio é uma entidade
que caminha por dentro
de si mesma.
LA 01/007
Quando evém o vento
as árvores despertam
e bocejam...
Espreguiçam...
e acenam umas às outras...
Folhas e vento
contam-me histórias
quando de minha cama os ouço
e me interpretam o tempo
ou me executam vários ritmos
em sua antiga rabeca.
LA 01/007
Com um dia atrás do outro
tem-se uma corda de dias...
Muitos a usam para enforcar-se,
outros para fazer um balanço
e entregar-se ao seu vaivém
com belas moças ao colo.
LA 01/007
De fato, Proust,
o melhor desta vida
é estarmos à sombra
das raparigas em flor.
LA 01/007
A amizade entre um homem
e uma mulher
sempre acaba enterrada.
LA 01/007
O homem atual
fala de sua cornitude
com uma certa libido.
LA 01/007
Os cônjuges, que se traem,
o fazem por um gozo
duplicado.
Coitados! —
não sabem inventar.
LA 01/007
Envelhecer é algo lamentável
de que nada adianta
se lamentar.
Só um consolo:
antes um velho vivo
que um moço morto.
LA 01/007
Muitos poetizam o envelhecer,
e recebem muitas palmas
dos velhinhos —
mas não convencem.
Envelhecer nos faz alegres
porque é o melhor remédio.
LA 01/007
O vento fustiga
a noite com velho açoite...
Virá hoje a amiga?
LA 01/007
Seus olhos me dizem
que o amor morreu de supor
verdade o que dizem.
LA 01/007
Fazemos, fazemos...
Semeamos... já nem lembramos...
Surpresos, colhemos.
LA 01/007
Mais bela a outra margem...
pois lá morava Diná...
Um gosto de viagem.
LA 01/007
É belo o teu riso —
um timbre de prata tine
se os dedos lhe piso...
LA 01/007
É lindo, muito lindo
teu rosto ao sol recém-posto...
E de tão lindo, infindo.
LA 01/007
Não chores, minha nega,
que a vida é mesmo fingida —
só dá o quanto nega.
LA 01/007
Sim, cansa, a espera cansa.
A espera faz sua cera,
mas zumbe de esperança.
LA 01/007
Esquente não, comadre!
Que a vida é mesmo lambida
com a moça e com o frade.
LA 01/007
Não, Rosa, chores não!
Se choras tu me decoras
de pétalas o chão.
LA 01/007
Fazer amor e a guerra
é a delícia e maior perícia
desse bicho da terra.
LA 01/007
A vida, nega, é asas —
só certas enquanto abertas...
O mais é vento e brasas.
LA 01/007
Quem sabe, um dia, nega,
te encontro, e tenho o que o bronco
do teu amor me nega.
LA 01/007
Te coça, amor! Descansa
a xota, a bunda, o mais, e nota
que tens só a esperança.
LA 01/007
É sempre amanhecida
a nossa esperança, Rosa,
sim: sempre prometida.
LA 01/007
É torta, bela e torta
a rua por onde a lua
lhe bate leve à porta.
LA 01/007
O padre é que lhe vinha
vindimar bem devagar
a sua bela vinha.
LA 01/007
O outono boceja
o ai dançado que cai
na folha que voeja...
LA 01/007
Beleza e verdade
são verso com seu anverso
da mesma unidade.
LA 01/007
A nossa alma atual
tem seus ( de outros tempos ) “eus”
pra hora integral.
LA 01/007
Mais belas que suas pernas,
só aquelas que adivinho.
LA 01/007
Você foi um raro vinho.
Pena que hoje
só me resta a garrafa,
que pra não dar
o meu braço a torcer —
transformei-a em vaso.
LA 01/007
Sim,
uma garrafa bordada
que hoje me serve de vaso
para flores mentais...
Entre muitas virtudes,
você foi um licor precioso.
Ainda tenho a garrafa,
vazia,
mas cheia de beleza.
LA 01/007
Foi-me teu corpo
diversos instrumentos —
de onde fui aprendendo
a extrair vária música
em tons universais
e infinitos
que formam uma sinfonia
guardada com carinho
lá em eu te recordar.
LA 01/007
Ter passado não machuca
quando a memória
mostra um saldo feliz.
LA 01/007
O melhor desta vida
me foram os teus braços.
LA 01/007
O que não foi tão bom
não foi nada tão terrível,
que a vida não permitisse
pudéssemos ser felizes
na própria infelicidade.
LA 01/007
Dependendo do ângulo
em que vemos as coisas,
o terem sido boas
ou más —
é só uma questão
de posição
e aflição.
LA 01/007
Não adianta, não se mude
para a margem de lá.
Lá também há solitude
como na margem de cá —
mera ilusão de posição.
LA 01/007
Esse bem e esse mal,
que vemos em tudo,
é preciso enxergá-los
com olhos de mais além.
Os fatos trazem em si
uma história
que nos será contada
depois
e recontada
além-depois.
LA 01/007
O que temos
senão a nossa vida,
que é Deus em nossas veias
e nossa viagem-aventura
por Ele adentro e afora?
LA 01/007
Bela esta hora —
aqui-agora é o
centro
do amor de Deus.
LA 01/007
André reviu
seu velho PROFESSOR:
identidade
petrificada
na família,
no status.
Um mamífero mimado.
Alma espaçosa,
granítica.
...........................................
Mal-estar.
LA 01/007
Há os que durante a vida
se alijam
do mundo
e de si —
conseguem livrar-se
do visgo.
LA 01/007
Há os que se apegam tanto
que se transformam nas coisas
por que lutaram —
viram cola
dos pensamentos
que os pensaram
e dos sonhos
que os sonharam.
LA 01/007
Há os que agem
e vêem-se agindo —
os que sabem mudar o rumo,
o sentido,
o nexo
do seu agir
por fora e dentro
de si,
do mundo —
mesmo estando tudo
em louco movimento.
Aprenderam
o ritmo cósmico da vida.
LA 01/007
Há os que vivem o sonhável
como vivem os seus dias —
entre o real,
o virtual
e o nexo-além,
essencializam a vida
de ser a ser-se.
LA 01/007
Há os que trocaram saber
por não saber —
para poderem ser
plenificados pelo Espírito —
e terem a sabedoria
em lugar e tempo
em que dela precisam.
LA 01/007
Saber jogar fora
ou esvaziar-se
é ganhar-se.
Não sabê-lo
é perder-se.
LA 01/007
Quem sabe
ousa.
Quem não sabe
não poderá atrever-se —
pelo risco de esmagar-se
sob o sonho que empurra ladeira acima.
LA 01/007
Há três forças que regem:
a Providência,
o Destino
e a Vontade.
A primeira
faz cumprir.
O segundo
conduz o ser.
A terceira
recria o destino
( pessoal ou coletivo ).
Recria e muda —
ao longo de...
portanto: até certo ponto.
Deus nos é
enquanto caminhamos
pela estrada que criamos ( destino )
a caminho de sê-Lo.
LA 01/007
Escrever limpa os poros
da sensibilidade —
fica-se permeável
ao silêncio verbal
que viceja no húmus
lá em nós.
Limpa os canais
e o fluido cósmico
oxigena os capilares
do sonhar-gestar-parir.
LA 01/007
Escrever faz pensar,
pensar
faz escrever.
A palavra é sempre ubíqua
lá por veredas de ser
à procura da estrada
que a leve a realizar-se
em humano.
LA 01/007
Os que passam pelo deserto
se abrem em flor
para ouvir a si mesmos —
se bem que sua própria voz
lhes soa como de outro...
De outro si-mesmo
que essencializa a vida
em caminhos
onto-intuitivos de ver:
a consciência mais para fora
do ser —
mais lúcida e vígil:
reversível na transformação,
transformação-renovação
do humano entendimento.
LA 01/007
Os bons livros são caminhos
e companheiros de viagem —
sempre abrindo picadas
para os passos ( dentro e fora )
da humanidade.
LA 01/007
Sim, Bial,
morrer é fácil.
Difícil é viver
e transcender-se
enquanto vive.
A vida é frágil
para o homem
não se exceder
( ainda mais )
em sua arrogância
e prepotência.
Bem mal das pernas,
estamos a caminho
daquele sonho-mais
que é Deus em nós.
O mais,
o mais é renascer
pela transformação
do nosso entendimento.
Um dia, sem onde ou quando,
seremos tão diferentes
de nós mesmos,
que havemos de exclamar:
“Senhor, jamais desconfiamos
que Tu nos eras!” —
tamanha a remela de auto-engano
com que fomos nos encobrindo.
..............................................................
A morte é linda, Bial.
A morte é o fininício
de algo que jamais está pronto —
a vida em seu querer-se mais,
seu precisar-se mais:
seu transcender-se
para viver-se mais.
Vida e morte se incluem
num só processo trino
em que apenas o dual
deixa-se ver...
LA 01/007
Vamos lá, minha Hafiz, —
te mete num burquíni
e a gente vai se molhar.
Quando há gingo e conteúdo
dá sempre samba pra caramba
e carambolas.
Se me permites,
ó das arábias,
a gente põe de lado
toda e qualquer caraminhola
e te visito, minha Hafiz,
a casinhola —
e havemos de fazer chover
até molhar o seu burquíni...
E o tiras logo, minha nega,
pra não pegar um resfriado.
LA 01/007
O burquíni, minha Lu,
foi inspirado
na terra do canguru.
Aliás, imaginemos
a pele de um canguru —
e teremos um burquíni.
O marsúpio, você me entende,
fica por conta do capuz...
e pronto! Tá feito o seu biquíni,
ou melhor, o seu panquíni,
minha fofa.
Agora é só esbaldar-se...
O mais,
o mais a gente adivinha,
e é danado de bonito.
LA 01/007
— Havemos de vencer!
— Vencer o que, meu pai?
— Nada.
É só um modo de falar
quando a gente tem medo.
LA 01/007
Chove e chove tanto,
que faz lembrar Noé.
Com uma diferença —
estamos sem barco.
LA 01/007
Bem pior que as enchentes
terríveis
é o quanto se mata por dia
na terra das palmeiras
onde canta o sabiá
e a corruíra.
LA 01/007
Terrível, meu senhor,
é quando os dias não se sucedem,
mas coexistem —
esta esperança
eternamente amanhecida
a padejar o pão
que o diabo amassa
e passa
dia dentro de dias
para o povo.
LA 01/007
Houve um país
não sei onde,
só me lembro que vivi lá,
que teve uma série
de mandatários
que sob um céu
abençoadamente azul
profetizavam ao povo
( já no discurso de posse )
dias cinza,
anos cinza,
vida cinza.
E de fato,
a classe média baixa
e os pobres
gemeram soterrados
nessas cinzas.
Profetas canalhas
que ( a História esta aí )
cavaram dias
de muitas cinzas
para os pobres,
só para os pobres.
LA 01/007
País de jovens?
Não, país de gente.
A sociedade existe
para, num todo,
todos trabalharem
para o bem desse todo.
Claro?
Não, senhor, muito escuro.
Os dois extremos etários
desta nossa sociedade:
o das crianças
e o dos que chamam de velhos,
estão sempre e sempre
sendo empurrados para a vala.
Cinismo, insanidade, canalhice...
Até quando não se cuidar do todo?!
Não fazer valer os estatutos
e aperfeiçoá-los?!
Passou da hora de aprendermos
a interdependência
e a solidariedade —
não para amanhã,
mas pela vergonha
de ainda não as termos já.
Somos um rio —
cuidemos de nossas águas
como um todo.
Deixo aqui meu SOS.
LA 01/007
Toda morte deveria
ser semente —
quando quem morre
é gente de boa vontade.
LA 01/007
Nicolau, Nicolau,
toma logo o teu mingau —
senão esfria
como esfriou a Helena
do Menelau.
LA 01/007
— E aí, André?
— Nem “aí” nem “ai”,
só um modesto “oi”.
LA 01/007
Passei lá na Daspu,
minha nega,
e comprei estas calcinhas
pra você não usar.
LA 01/007
Não demora,
e o mundo me acaba.
Aos que ficam,
bom proveito.
E saibam:
só é nosso
o que construímos em ser.
Ah! E não se esqueçam:
a moeda cósmica
é o altruísmo.
LA 01/007
O que for bom para nós
e prejuízo para ninguém —
isso devemos fazer.
O mais
será criar destino —
pessoal
e
grupal.
LA 01/007
A reunião do Mercosul,
hoje,
esteve mais para o norte
da irrealidade.
Mas o Mercado sai,
claro que sai —
nem que seja do mapa.
LA 19/01/007
A natureza anda brava
e braba —
espelha o estado interior
da humanidade.
LA 01/007
A negação da coisa,
faz a coisa correr
atrás de nós.
LA 01/007
A afirmação da coisa
faz-nos olhá-la de frente
e lhe dizer:
te aceito
ou:
não te aceito.
E o primeiro passo
terá sido dado.
LA 01/007
Vasos, imagens, cruzes,
colunatas, argolas, alças,
pedaços de túmulos,
de caixões e outros objetos
( inclusive farrapos
de vestimentas )
de cemitérios
têm sido roubados
com gula necrófila.
A libido se aguça
quando a morte e o sagrado
oferecem um tempero erótico —
vida-morte-sacro-sexo.
Sim, o biófilo
e
o necrófilo
a fruir o gozo no passado,
o gozo no presente
e o gozo no futuro.
Um orgasmo doente,
mas super,
super-orgasmo.
LA 01/007
Trazer pedaços de cemitérios
para casa
é no mínimo afrodisíaco
para certas pessoas
de alma terrosa.
LA 01/007
Já cultivei belas flores,
elegantes e chiques.
Depois troquei nobres rosas,
bombásticos crisântemos,
dolentes dálias,
raras orquídeas,
finas, esguias madressilvas —
sim, troquei-as
por um só bem-me-quer.
LA 01/007
O prosaico é como o ridículo —
um anda ao lado da poesia,
o outro, do solene.
LA 01/007
Os braços que te esperam
são os braços que te esperam.
O mais
são laços de papel molhado.
LA 01/007
Mais vale um bem-me-quer
que todas as flores do mundo.
LA 01/007
O belo da metafísica
é não servir para nada.
O belo da teologia
é pensar que nos serve
de alguma coisa.
Mas apesar
de sua não serventia,
ambas confortam.
Confortam
por adornar respostas
e aquietar
a fé.
LA 01/007
A filosofia é como o amigo
que te acaricia o ombro —
conforta um bocadinho.
LA 01/007
Freud não serve pra nada,
sim, não serve pra nada
que não seja tudo.
LA 01/007
Sem Freud
estaríamos sem o lanterninha
que nos ajuda a achar
um lugar no cinema.
LA 01/007
A história
é a interpretação de mentiras
que acabam sendo a verdade
que os homens abominam.
LA 01/007
A geopolítica
é a arte de puxar o tapete
de sob os pés dos povos
que acabam aprendendo
a voar nesse tapete.
LA 01/007
A escatologia
é a ciência do cansaço —
do fim final
e do fim começo.
Além de ser assíduo consolo
dos pobres e miseráveis.
É a lâmina terrível
dos espertos.
LA 01/007
Em geral
“ismos” e “ias” são armadilhas
de pegar homens e mulheres
inteligentes —
legítimo presente grego.
LA 01/007
Bem, vou dormir,
que hoje estou sem mulher.
LA 01/007
A mulher do André
o advertia sempre:
Não dê o peixe,
ensine a pescar!
E ele:
Mas onde e como,
se por aqui nem tem rio?!
LA 01/007
Firmino foi bom marido —
nunca viu nada
que não fosse normal.
LA 01/007
Zilpata foi boa esposa —
não enxergava sem óculos.
LA 01/007
Depois que lhe morreu a esposa
( jovem e bela ) —
o amigo não mais o visitou.
LA 01/007
Já comeu pizza de bode?
Nem eu.
Ontem, um artista famoso
ensinou como fazê-la.
As mulheres adoraram.
LA 01/007
Já viu assombração?
Nem eu.
Minha vizinha vê.
Desenvolveu a mediunidade
com o dono do empório
da esquina —
barbudo e gordo
feito um gorila.
LA 01/007
Na delegacia André se explica:
Não, doutor, eu não ameacei
o rapaz,
apenas lhe pedi
— e todo o bar ouviu —
que não proferisse palavras
de baixo calão...
porque a mulher com quem eu estava
ali, àquela mesa
( horas e horas madrugada adentro )
era, sem nenhum favor,
a esposa de um nobre e distinto
amigo meu.
LA 01/007
Sim: a esperança é a ultima que morre —
mesmo porque
não poderia morrer antes
de quem a acalenta.
LA 01/007
A cobiça
está sempre naquele ponto —
granítico.
LA 01/007
A minha amiga Ofélia
adora obeliscos.
Quando vê um,
beija-o em cruz,
assim:
deixa uma boca horizontal
e outra vertical.
E Jura: dá certo —
nunca ficou sem.
LA 01/007
Aos domingos e feriados,
ali pelas duas e meia da tarde,
a gente ia para o quarto
e se matava de prazer
naquele antigo jardim
de que Deus expulsou
nossos antigos pais.
A serpente,
calada e de óculos grossos,
discreta como secretária
de ministro,
ficava a boa distância
segurando com a cauda
paninhos e cremes.
LA 01/007