HOJE É O QUE TEMOS

          Laerte Antonio

Textos 02

Agradeço aos meus amigos

por todas as vezes que se lembrarem

de que ainda são meus amigos.

LA 12/006

 

 

 

A amizade é de uma porcelana tão frágil

que vive se quebrando.

Por vezes a colamos tanto

que nem mais a reconhecemos.

LA 12/006

 

 

 

Sobre o que você é

não há muito segredo.

Veja o que tem feito

               e pensado e sentido —

isso é o que você é.

LA 12/006

 

 

 

Em geral nossas doenças

impedem nossos relacionamentos

com aqueles a quem mais amamos.

LA 12/006

 

 

 

Não tenha pressa.

Não há lugar tão maravilhoso

( as coisas somos nós )

que nos mereça tanta pressa.

LA 12/006

 

 

 

Nunca achei que a pressa

fosse inimiga da perfeição,

porque a perfeição é de Deus

e prefiro que o meu fazer

obedeça ao meu bio-ritmo.

LA 12/006

 

 

 

Mais uma vez Natal

com seu bem e seu mal.

E eu nem seria feliz

se tivesse uma quinta

em Portugal.

LA 12/006

 

 

 

Se quiseres brincar,

teremos sempre com quê —

tu tens a tua pinta

e eu o meu pinto.

LA 12/006

 

 

 

Ou bem ou mal

hoje é Natal —

aqui e em Portugal.

Os tremeliques da amada

se resolvem no pau.

LA 12/006

 

 

 

Tive um amigo tão bacana,

que só tinha dois defeitos —

era ladrão e sacana.

LA 12/006

 

 

 

Tive uma namorada

bela e safada.

Dela eu pouco gostava,

mas adorava

as suas safadezas.

LA 12/006

 

 

 

Tinha aberto muitas portas

para o nada.

Se bem que viver no nada

não é nada,

pra quem tem um jeito zen.

LA 12/006

 

 

 

Ela gostava ( dizia )

dos seus versos.

E bem que os publicaria —

se ele fosse junto.

LA 12/006

 

 

 

Tinha muitas habilidades.

Sua vizinha o chamava

lá vez por outra

para serviços de rotina —

subir-lhe pelo telhado,

pregar-lhe prego nas paredes,

amaciar-lhe as maçanetas,

cuidar-lhe da parte elétrica.

LA 12/006

 

 

 

Padre Hilário

sabia fazer de tudo.

Amparava as viúvas jovens,

porque ‘as velhas

sabiam se cuidar’...

Tinha um quê com Josefina

e a espanhola da esquina

( esta apesar de espírita ).

Sempre que podia

dava-lhes uma pintada

num dos cômodos,

nos cômodos de dentro —

diziam os vizinhos.

LA 12/006

 

 

 

Manezão calçava 46 —

uma locomotiva.

Fazia um par engraçado

com Lucinha:

tenra, frágil, crocante —

um pé de alface...

Um jeito

de sabonete cheiroso...

Uma cintura

que mais parecia um trilo

de tiziu.

LA 12/006

 

 

 

Ah! E a Chiquinha?!

Esguia, fina,

pequenininha...

Parecia impossível

que o Rubião

( o baita do seu marido )

coubesse no seu amor.

LA 12/006

 

 

 

Era só vendo

pra crer:

Rosinha,

meio pingo de gente,

conseguia bater no marido —

um holandês de quase dois metros!

LA 12/006

 

 

 

Leônidas Lazarone

só era terrível

no nome.

Sua esposa o tornara manso

como um lulu de janela...

que, segundo as amigas dela,

era muito simpático

e muito, muitíssimo educado.

LA 12/006

 

 

 

Só gosto de um negócio —

o ócio.

mas o ócio

sem bócio

nem sócio.

LA 12/006

 

 

 

Tive um amigo

que deu linha para a mente,

muita linha

( e com cerol )...

Quando pensou em recolher —

perdeu-se.

LA 12/006

 

 

 

Havendo a prevalência do espírito

sobre a mente,

aí, sim, pode haver autodomínio —

serenidade criativa.

LA 12/006

 

 

 

Marli era uma festa.

Dessas cujo sorriso

faz amor com a gente

na frente do marido.

LA 12/006

 

 

 

O coração não gosta dos gordinhos.

LA 12/006

 

 

 

Cada vez que ele chegava

ela já lhe perguntava:

Trouxe dinheiro?

Aí o cujo lhe mostrava a nota...

E ela: Ah, bom, meu bem!

Ah, bom!... Porque fiado,

fiado não dá, isto é:

não dou mais.

LA 12/006

 

 

 

O homem é tão corrupto,

que sua mãe juraria

que não gerou ninguém assim.

LA 12/006

 

 

 

Tem uma hora

que todo milionário

inveja secretamente

o pobre,

ou até o mendigo.

LA 12/006

 

 

 

Homeopatia e placebo

funcionam pela fé —

pela idéia

que agasalhamos deles.

Temos em nós

o poder da cura —

precisamos de algo

( entre sentir-pensar )

que o ponha a funcionar.

LA 12/006

 

 

A fé é o sentimento

de que Deus nos é e O somos —

então ficam plausíveis

todas as possibilidades.

LA 12/006

 

 

 

O homem cheira a morte.

É uma pitanga,

senão passada,

passando.

Frágil-forte, santo-crápula,

nem tanto, nem tonto...

Louco-normal, normal-normal...

Normal e louco:

sabe Deus que diabo é isso! ).

Herói-e-anti.

Maravilhoso e mísero,

grande-pequeno...

.....................................................

Mas o homem,

o homem sonha.

Sonha e faz —

o homem sabe ultrapassar-se

criando...

E além de tudo o mais —

não pode ser pequeno

quem inventou a esperança.

LA 12/006

 

 

 

— E Teresa?

— Montou um salão,

é mono-especialista...

— Mono o quê?!

— Só faz cavanhaque de xota.

LA 12/006

 

 

 

Ainda bem que há aquelas

que não seguem a moda —

xota

tem que ter sua mata ciliar.

LA 12/006

 

 

 

Que pouca vergonha!

Querem proibir

trepações na telinha.

LA 12/006

 

 

 

— O que está fazendo aqui o meu amigo?!!

—  Nada não, nada não, André...

Só vim dizer à sua mulher

que a irmã dela, a Gracinha,

lhe mandou lembranças e abraços... e...

LA 12/006

 

 

 

José abandonou Teresa

que foi abandonada por Miguel

e rejeitada por Joaquim,

mas se casou com Hilário,

cara sarado,

apesar de padre,

que abandonou a cúria

para lhe dar cuidanças.

LA 12/006

 

 

 

 

O coração ama

enquanto bate,

ou bate

enquanto ama?

LA 12/006

 

 

 

Quando você se for,

muita gente estará em festa.

Não deixe de festejar a vida

nem de amar a si mesmo.

LA 12/006

 

 

 

Deus só quer que tu O ames

e ao próximo como a ti mesmo.

Quanto ao mais,

nem é preciso mais.

LA 12/006

 

 

 

Do futuro só sabemos

que estaremos mais velhos.

E pra que mais,

minha nega?

LA 12/006

 

 

 

Adeus, ano velho!

Preferimos o novo

até o fim do ano.

LA 12/006

 

 

 

Deixa a janela

só encostada...

Se a trancas

e dormes —

adeus-me as tuas pernas!

LA 12/006

 

 

 

O senhor Bush

e o senhor Blair

conseguiram —

vão matar Saddam Hussein

( enforcado )

daqui a  trinta dias

( 30 no tempo deles...).

O mundo não disse nada...

talvez anestesiado pelo imbróglio

do ideológico

sentimento de justiça.

LA 26/12/006

 

 

 

A consciência mundial

se embuça

em sua nebulosa —

sempre que o mal lhe parece

longe de casa.

LA 12/006

 

 

 

 

Ainda que o homem

possa mudar seu destino —

isso não lho exclui.

LA 12/006

 

 

 

 

Senhores e senhoras marcianos,

cá na terra

pegaram pra criar um tal Diabo,

que já está bem maior do que o povo agüenta...

De modo que tudo tem andado

como este cara gosta.

E vamos nós cá vivendo

os nossos apocalipses,

nossos eclipses

e elipses

de cada dia.

LA 12/006

 

 

 

No entorno há paz.

Muitos pássaros gorjeiam

e nas árvores se presente

um sonho-sono venturoso.

LA 12/006

 

 

 

Lá longe um bem-te-vi

vive mentindo

ter visto.

Solta e gostosamente

o João de barro gargalha.

LA 12/006

 

 

 

Pios e flores

explodem vida

sob um céu

babaramente azul

de primavera.

LA 12/006

 

 

 

Ser feliz

é um estado por dentro

agarrado ao cipó

do momento.

LA 12/006

 

 

 

 

Esperar é ter com quê.

LA 12/006

 

 

 

Crer é superar-se.

LA 12/006

 

 

 

Amar é transcender-se.

LA 12/006

 

 

 

A fé

é o principal atalho.

LA 12/006

 

 

 

A paz nos seja o caminho!

LA 12/006

 

 

 

Por veredas em nós

procuramos por Deus,

nossa aventura.

LA 12/006

 

 

 

Lá nas vinhas

de nossa eterna libido

as amadas

vestidas de lua

amassam as uvas —

cujo sumo lhes escorre

do pescoço aos pés.

LA 12/006

 

 

 

Mais belo do que a amada

tomando banho

só a gente ajudando

tirar-lhe a espuma.

LA 12/006

 

 

 

Vera

era diluvianamente boa.

Padre Clemente não vencia

confessá-la.

LA 12/006

 

 

 

Laurinha era tão rotunda,

tão ondeante,

tão fofunda,

que quando andava apressada

dava tremeliques nos homens —

faziam “sins”, reiterados “sins”

com a cabeça.

LA 01/007

 

 

Lourdinha

tinha umas pernas

que se faziam olhar.

As de Marieta

davam calos na vista.

Eram gêmeas.

LA 12/006

 

 

 

Os pígios de Do Carmo

davam orgasmos visuais.

LA 12/006

 

 

 

Laurinha tinha uma cara

tão sonsa,

que parecia estar

num gozo inacabável.

LA 12/006

 

 

 

A mãe de Lucineide

lhe sentenciou:

Ou tu paras de dar,

ou some!

Sumiu.

LA 12/006

 

 

 

O pai de Vera

a advertiu:

Ou paras de mentir,

ou te troco o nome!

Não precisou —

ela fugiu com o farmacêutico,

que era bem velho,

mas bastante simpático

de bolso.

LA 12/006

 

 

 

Mário ululava

quando ficava sem.

Então Joaninha

vinha fazer-lhe faxinas,

até a mulher voltar.

LA 12/006

 

 

 

Quando o padeiro chegava

Rosinha já estava

com o café coado

e de banho tomado.

LA 12/006

 

 

 

 

Os Limões E A Limonada

 

Cidade praiana,

clima escaldante,

corpos malhados e  com panos

só naqueles lugares —

padre Gregório

teve uma idéia prática:

Para pecados de adultério,

além das orações de penitência,

começou a pedir

( ou melhor: exigir )

cestinhas, cestas e cestões

de alimentos,

que eram pegos no supermercado X

e levados para a Creche Paroquial.

Resultado:

embora ter duplicado o prédio

e o número de crianças,

a comida era tanta e boa,

que o Sarado Greg

( era assim que o chamavam )

tinha que vender quase a metade

para não estragar.

E com tais vendas construiu

na própria creche

um sofisticado playcenter —

usado pelas crianças da casa

e usado e pago

por toda a região —

cujo dinheiro era revertido...

Bem, por aí já se adivinha

o que o astuto Greg não foi fazendo,

construindo, empreendendo —

prosperamente os leitos tremulando...

O bispo é que ficava encafifado

( expressão da própria eminência ),

que vez por outra lhe perguntava:

Mas como, Greg, como?!!

Com que diabos, homem!!??...

Ao que Greg, sereno e em voz miúda,

sempre lhe respondia:

Deus escreve certo

pelas nossas linhas tortas,

eminência!

E abafava a conversa

com um convite:

Vamos a um vinho que me enviaram

lá da pátria de Rousseau?

LA 12/006

 

 

 

A mulherada tá que tá!

Guerra às calcinhas!

A onda agora é dar um jeito

de mostrar a perereca.

E fazem bem, muito bem —

já estávamos cansados

de só ver bundas... undas... undas...

LA 12/006

 

 

 

Elas agora

fizeram a perereca

sair da moita —

derrubaram a mata ciliar

da ribeira.

Xiranha agora

tá de cara lambida —

feito espanhol que perdendo a guerra,

chegou em casa,

fez a barba

e olhando guloso

para a sua guapa espanhola,

ouve dela:

“!Credo, Manolo!... Ni te pareces más!...

LA 12/006

 

 

 

E a moda pegou —

xota agora

só escanhoada,

com um bigodinho logo acima,

um bigodinho

per

pen

di

cu

lar

LA 12/006

 

 

 

Que saudade! — me diz um amigo —

do tempo em que elas tinham

aquela folha de avenca

e uns capinzinhos em volta...

Aí eu lhe respondo:

Os acadêmicos que se adaptem

ou que se dêem um nó!

LA 12/006

 

 

 

Bem, mas falando sério

( me disse o André ):

A seriedade das coisas

depende de nosso estado de espírito,

como o melhor tempero

é sempre a fome.

LA 12/006

 

 

 

André também me disse:

O nosso espaço aéreo

anda um cu de serelepe —

ninguém acerta.

LA 12/006

 

 

 

Mas esta

não foi do André não,

é do Benito:

O nosso espaço aéreo

é como o bem-te-vi —

sempre jura ter visto

o que não vê.

LA 12/006

 

 

 

A mulher do açougueiro

era linda

de arredondar os olhos

da gente...

Seu sorriso era fino,

incisivo —

como o fio das facas

do seu marido.

LA 12/006

 

 

 

Marli era uma baixinha

taluda.

O português da padaria,

onde ela trabalhava,

era doido por jaca.

LA 12/006

 

 

 

Justificamo-nos e explicamos as coisas

para podermos continuar

justificando-nos

e explicando-as.

LA 12/006

 

 

 

Cinco países europeus e o Brasil

               lançaram hoje

uma sonda espacial

à procura de outras terras

e outras gentes.

A descoberta científica

de outras civilizações,

além de povoar nossas utopias

provocaria uma guinada de consciência

das mais preciosas para a humanidade —

guinada que daria uma outra direção

a seus sonhos de futuro,

livrando-nos da angústia do plausível,

do só acreditar

pela graça de tocar

pelo saber.

LA 12/006

 

 

 

A grande paródia da intelectualidade de hoje

está na dialética entre o objetivo

e o subjetivo — um fazer

pelo não fazer: um reduzir

dentro da vontade de expandir.

LA 12/006

 

 

 

Vida e morte

é um processo

de essencialização da existência

numa consciência a expandir-se

por dentro,

como o universo

por fora —

lá em sagas de ser a ser-se.

LA 12/006

 

 

 

Um amor de brechó:

lavado,

passado a ferros —

cheirando a muitos.

LA 12/006

 

 

 

 

Cada galinha com seus pintos,

cada pinto com suas pintas.

LA 12/006

 

 

 

A cracia do demo

também pode chamar-se

democracia.

Entre uma e outra

temos de viver as duas.

LA 12/006

 

 

 

Trocar parceiros maduros

por outros mais jovens

nos tem mostrado

tanta alegria e encanto

como trocar o ano velho

pelo novo.

LA 12/006

 

 

 

 

A justiça,

em banho-maria,

boceja

e coça a xota.

Seus paladinos

estão passeando

e saboreando

seus semanalões,

seus mensalões,

seus anualões

e décimo nono

e vigésimo oitavo

e trigésimo quarto

salários —

fora aquilo

que só Deus sabe,

mas se cala.

E o auto-aumento

dos donos

de 91,1% —

já se deu?

Buscou-se uma outra via,

transfigurou-se em quê?!

O momento se encontra

terrivelmente enfermo

de Egoísmo.

LA 12/006

 

 

 

 

Vingança

 

Saddam é morto.

Seu País invadido,

saqueado,

ideologizado

e feito caos —

Bush-Blair forjaram

e compraram

lei-justiça —

e o mataram

enforcado

no amanhecer deste sábado

de 30/12/2006.

O termômetro da consciência

universal

revelou-se sem mercúrio.

Primeiro deixaram que a vingança

fosse um prato

friamente comido —

só depois defecaram pela boca

alguma coisa.

Cadê a ONU, meu Deus?!

Cadê a consciência cósmica,

nem bruxuleia no homem?!

Falta muito e muito

para a consciência coletiva humana

assimilar a misericórdia.

Pelo caminho da tecnologia

não chegaremos,

não chegaremos,

não chegaremos

a transcender esse imbróglio que hoje somos

em misericórdia e altruísmo —

sim, vamos ter de voltar

e recomeçar por aqui:

“MISERICÓRDIA QUERO

E NÃO O SACRIFÍCIO.”

LA 12/006

 

 

 

Achei abominável

a morte de Saddam Hussein.

( Não porque gostasse dele,

mas pelo que a história

nos tem mostrado

na geopolítica. )

Pensei que a Humanidade

fosse menos pequena:

reagisse pedindo

que tal assassinato

fosse reconsiderado

e impedido.

Senti-me rato,

ou melhor: senti-nos ratos.

Somos muito pequenos.

ONU:

Omissão às Nações Ultrajadas

LA 01/007

 

 

Os homens fazem e desfazem,

passam e se esquecem...

Mas um dia cósmico os espera —

vão ter de refazer.

LA 12/006

 

 

 

Feijão no fogo,

Rosinha,

feijão no fogo!

Que o mundo é um logro.

LA 12/006

 

 

 

O ser humano troca de ano

com a mesma satisfação

com que troca de parceiro —

desde que este seja mais moço.

Ergamos nossas taças —

Tim-tim!

Feliz ano novo!

LA 12/006

 

 

 

 

O ano novo

é esperado

e bajulado

pelo povo.

Feliz ano noooooooooooovooooooooooooooo —

voou, voouuuuuuuuuuuuuuuuuuu....

Sempre voa sempre voa sempre voa sempre voa...

E o seu lado belo

é justamente

estar voando —

ser vôo sem penas

nem ave (!).

LA 12/006

 

 

 

 

O que passou,

passou

e jamais retornará.

Se retornasse,

veríamos que não tinha sido

assim tão bom —

ou seja, que o melhor do que passou

foi o seu lado passarinho —

foi ter passado.

LA 12/006

 

 

 

Adeus, ano velho!

Porque chorar-te,

se vou ter outro novinho

para as minhas esperanças

tomarem sol, tomarem chuva...

se coçarem,

andarem sem calcinhas...

( não é a última moda

entre as cês de grife

do momento? )

e amarrarem o burro à sombra

dos velhos, belos sonhos que emigram

ano a ano

e são ninados

pelos braços

da nossa fé?

Adeus, meu velho!

Você passou

e eu prossigo —

e esta é toda a minha glória!

LA 12/006

 

 

 

O amor é como passagem de ano —

um se vai,

outro se vem —

gostosamente renovados.

LA 12/006

 

 

 

Novo ou velho —

ano é ano.

Plural: anos

( isso todo mundo sabe,

o que não sabe é que

se o confunde com ânus,

então até se machuca,

porque são coisas

bem diferentes ).

LA 12/006

 

 

 

Cada ano

com seu ânus,

seu escroto

ou sua xota.

Cada tiziu

em seu arame,

cada caos com seu cosmo.

O mais são

boca com boca,

picos e vales,

cus e cus-cus,

cus e pin-pin,

picas e vulvas,

buça com buça

e orgasmo insano.

Feliz novo ano!

LA 12/006

 

 

 

Um 2007 muito, muito novo.

Um 2007 abençoado em todos os aspetos

para nós todos,

para toda a Humanidade!

O sonho-mais em nós

nos ilumine,

nos renove,

transforme o nosso entendimento —

para que Deus nos seja, sim:

Ele-mesmo nos seja o que nos falta.

LA 01/007

 

 

 

 

Sim, senhores,

e há o lado

espiritual

( da passagem ) da coisa —

isto deixo para aqueles

de subida evolução —

deixo aos espiritualistas

sem espírito.

LA 12/006

 

 

 

Há dois tipos de intelectuais:

os que se ajudam uns aos outros —

se promovem,

se editam,

se comentam,

se exortam,

se fortalecem.

E os que se seguram pelos pés,

não se deixam sair do escuro —

se abafam,

se reduzem,

se denigrem,

se enfraquecem.

Sim, de um lado

os intelectuais criativos,

os que amam  a arte

e a  testemunham ao sol.

E de outro lado

os intelectuais canalhas,

os que amariam fazer arte,

e serem reconhecidos,

mas não podendo,

reduzem,

diminuem,

soterram

todos aqueles

que poderiam fazê-lo

à sua volta.

Numa palavra —

são canalhas

estéreis e arenosos.

Fazem das artes

um poste

mijado de cachorros.

LA 12/006

 

 

 

Quem não pode com mandinga

não carrega patuá.

Sim: não desafie

o mistério.

O conhecimento

é o que pode libertar-nos.

LA 12/006

 

 

 

 

Você só vê que o mundo

é um vale de lágrimas

quando o destino o sincroniza

com este vale

e estas lágrimas.

Sim: quando viramos personagens

da história que estamos lendo

é que vivemos

suas verdades

e belezas,

seus horrores

e delícias.

LA 12/006

 

 

 

A minha filha Márcia,

que tem nível universitário

e é professora de Português

e  suas Literaturas,

nunca escreveu no Livro de Visitas

do meu site.

E eu fico a perguntar-me:

Por que é que minha filha Márcia,

que tem nível universitário,

é professora de Português

e suas Literaturas,

nunca escreveu no Livro de Visitas

do meu site?

Escrever é mesmo um ato

solitário.

LA 12/006

 

 

 

Há  coisas que não há como entender,

a gente até entende...

Outras que...

a gente até entende...

Muitas que...

a gente até entende...

E finalmente inúmeras que...

a gente até entende...

O que não dá para entender

é porque a gente até entende

sem entender.

LA 12/006

 

 

 

 

A vida é cheia de chegadas e partidas —

a que não se chega nem se parte nunca...

Uma ilusão de viagem

dentro de outra viagem...

Sim, a vida é meio louquinha...

Para entendê-la —

só de lado,

bem de lado —

só não fazendo questão...

Aí, sim: tudo vai ficando mais...

mais o que mesmo?

LA 12/006

 

 

 

Te deixares cair?

Que luxo

te deixares cair!

Quem é que iria

te levantar?

Sim:

se te deixas cair,

nem podes te dar a mão!

E não podendo tu

te dar a mão,

quem é que te daria?!

Pensa bem, cara,

pensa bem,

antes de te deixares

cair.

LA 12/006

 

 

 

Crise. Tempos de não.

Cadê as vozes,

os pincéis,

as penas,

as partituras,

os cinzéis?...

Crise. Tempos de não.

Cadê aqueles

que fazem

haver

o sonho-mais?

Que silêncio, meu Deus!

LA 12/006

 

 

 

Aqui, o pio do bem-te-vi

cai lá na cama elástica

do meu ouvido...

e fica num sobe-desce, num vira-vira,

num cai-não-cai —

até a vida enchê-lo de novo

com o canto verde das maitacas, que eis...

lá se vão num vôo cor de folhas...

bonito em seus gritos valentes,

bonito em seus gritos valentes....

LA 01/007

 

 

 

O caracol deixa um rastro de baba.

Parece um político ( daqueles... )

dizendo

que não foi ele não que fez aquilo.

LA 01/007

 

 

 

Você se vinga, mas não adianta —

logo será vingado.

Sim: vencedor e vencido

se vingarão eternamente —

ou até que um deles veja

que está fazendo contra si mesmo.

LA 01/007

 

 

 

Há dois que mais amarram —

a maldade e a ignorância.

LA 01/007

 

 

 

Mens sana in corpore sano —

uma mente sadia num corpo saudável.

Esporte é necessário,

tanto quanto o trabalho.

Mas ao meio, aos lados,

abaixo, acima disso

deve estar a arte,

: a arte, o sonho-mais —

o ser humano a transcender-se:

legitimar-se possuidor

da imagem-semelhança.

LA 01/007

 

 

 

Conhecer é conhecer-se,

conhecer-se é conhecer —

sim, nenhuma distância

entre o outro e nós.

Diferenças, sim: somos,

graças a Deus, bem diferentes —

a fim de conhecermos

as nossas semelhanças.

Bem inespoliável:

durável-reciclável —

eternamente em pauta,

é o conhecimento.

Conhecer-conhecer-se

seja, potanto,

nosso maior tesão!

LA 01/007

 

 

 

Quem tem telhado de pedra

pode ser esmagado.

Já quem o tem de barro

há de ter telhas

sobressalentes.

E quem o tem de vidro

tem que tomar cuidado

com os grânulos hialinos —

sobretudo na hora

de passar o dia a limpo

com a patroa.

No mais, tudo normal —

a cada dia seu mal.

LA 01/007

 

 

 

Quem não chora não mama —

disse alguém —

e o André pespegou:

Conforme a mama,

é melhor

a gente só comer o queijo.

LA 01/007

 

 

 

Ela chegou tão fatal,

que fez gorjear

um anu e um pardal.

LA 01/007

 

 

 

Xiranha com abacate?

Não, não faz mal.

É só tomar cuidado

com o caroço.

LA 01/007

 

 

 

Toma, nega: te trouxe

lá da Daspu —

três calcinhas invisíveis,

ou se preferes: virtuais.

Assim fica mais fácil

pra gente dar aquelas rapidinhas.

LA 01/007

 

 

 

Vocês não vão acreditar,

mas a inveja

tá sempre de pau duro.

Ousar e calar

anula essa senhora macho-fêmea.

LA 01/007

 

 

 

Com um punhado de pólvora

você constrói um show

ou um cemitério —

depende do que você é

lá em você.

LA 01/007

 

 

 

Feliz 2007!

Sim, pinte o sete

antes que venha o 8.

LA 01/007

 

 

 

Este será um bom ano,

salvo engano —

tão humano.

LA 01/007

 

 

 

A perua da Inês

botou um ovo

que puseram pra chocar,

mas o pai dela

( por sabê-lo não-galado )

fez uma baita omelete

e a comeu só e calado.

Conclusão:

o que o peru não fez

fê-lo por metonímia

o pai de Inês.

LA 01/007

 

 

 

 

O pai de Genoveva

( juro: chamava-se Genoveva )

implicava com seu namoro

sentada no portãozinho

de ferro

com Geraldinho mecânico,

alto, em pé, como dois bambus...

Uma noite o velho bronqueou feio

dizendo que não podia dormir...

Foi então

que o esperto do Geraldinho

passou graxa nas dobradiças —

e adeus problema,

nunca mais acordaram seu Rubão.

LA 01/007

 

 

 

Em nossos passos lá em ser,

entre uma passada e outra,

há um desequilíbrio momentâneo —

vertigem de ultrapassar-se:

um pé pisando o chão,

outro pisando o abismo...

E vamos que vamos,

que o caminho é esse mesmo!

LA 01/007

 

 

 

Daqui deste cantinho

reescrevo o mundo,

que passa por mim lá dentro.

Reescrevo a mim,

que passo pelo mundo

e o interpreto

e mais a mim —

interpretado nele.

LA 01/007

 

 

 

O amor planta caraminholas

lá em terras de sonhá-lo,

bem no entrepraias de amá-lo.

E saboreamos seus frutos —

seus deliciosos enganos,

suas venturas infelizes,

suas ditosas mumunhas,

seus muitos favos e favas...

Seus relacionamentos

suados.

Também o amor

planta minhocas

para a gente pescar —

e deixa-nos ali,

à beira do barranco

à espera de o bichinho

vir morder...

Sim, o amor é ridículo,

mas é a diversão maior

que a vida inventou pros bichos.

Pobre de quem não o tem (!) —

além de não ter nada

nas mãos,

fica com os dedos

sempre coçando,

coçando,

mas não florescem.

LA 01/007

 

 

 

Se o amor não soubesse fazer contas

nem faria tanta conta

das contas que nos faz.

Mas é danado de esperto

nas contas,

quase um malabarista

no somar e no tirar...

Perverso no multiplicar,

terrível no dividir.

Já outras vezes,

ele finge que não faz conta,

mas faz. Aliás,

já está feita,

depositada e a juros.

O amor

quase nunca faz de conta.

LA 01/007

 

 

 

Se você não acreditar no amor,

azar seu!

Vai acreditar no quê,

em lobisomem?!

O homem, compadre,

tem que unir a casa

com o pomar.

LA 01/007

 

 

 

Viver,

sempre viver

e ver seu custo-benefício —

seja no social,

seja na moita —

trabalho e festa se compensam.

E é tudo muito bem feito,

meu compadre —

a grande maioria

se recompensa mesmo

é lá no entrepernas do amor.

No resto,

cadê com quê?

É por isso, meu caro,

que fica o velho pelo antigo,

o dito pelo redito:

o amor é sempre a maior festa.

LA 01/007

 

 

 

O melhor desta vida

é conviver rapidinho —

no trabalho,

na igreja,

no esporte...

e cair na nossa moita:

ler-estudar-escrever

e hastear as tuas pétalas,

ó minha Rosa.

O mais

é sempre um Deus nos acuda,

um estar

entre a palavra e a solidão.

LA 01/007

 

 

 

Devagar se vai ao longe,

mas depressa já cheguei.

Se bem que não te achando,

ó minha nega,

não me adiantou correr.

LA 01/007

 

 

 

Vivemos rastejando

pela felicidade,

e só não a encontramos

por não saber o que ela é.

LA 01/007

 

 

 

Inventar coisas

é o que mais fazemos,

e o que mais sabemos.

E já que as inventamos —

que sejam coisas felizes!

Sim: inventadas, mas felizes.

LA 01/007

 

 

 

Daria uma Ferrari

por tuas pernas.

Mas como não a tenho,

me contento em te levar

na garupa da minha moto.

LA 01/007

 

 

 

Fosse eu um daqueles mamíferos

que têm harém,

te levava, minha nega,

pra ser a odalisca do meu.

E cada coisa que eu fizesse,

minha amada,

seria pensando em ti.

LA 01/007

 

 

 

Lembras-te, minha nega,

de como a nossa mula

nos xingava em espanhol,

chinês, asteca, italiano...

quando inventávamos de trotear

abraçadinhos, peladinhos,

cobertos de luar

em volta do casarão?...

LA 01/007

 

 

 

Belos tempos!

A lua cheia nos vestia

e a gente espremia uvas

sobre o macio da grama

bem sob a tua janela...

LA 01/007

 

 

 

 

Belos tempos!

Joaninha tomava banho

com o vitrô bem aberto

em que anteparava os peitos

enormes

e ensaboados

( enquanto enxaguava outras partes).

LA 01/007

 

 

 

Belos tempos!

a gente nem se dava conta

de que existia tempo

em parte alguma da vida.

LA 01/007

 

 

 

Se porventura um dia

a gente achasse

essa tal Felicidade,

podia ao menos convidá-la

pra jantar.

LA 01/007

 

 

 

Mulher séria

não trepa no primeiro encontro,

só no segundo,

ou ( aquelas muito sérias )

quando vêem que é o momento.

LA 01/007

 

 

 

Era um cara tão sério,

desses tão ao pé da letra,

que por três vezes

quase mata a mulher.

Vejamos ( foi numa noite

de chuva fina e propícia... ):

“Ai, meu bem! Ai, meu bem! Mata-me, mata-me!...”

E ele pega o criado-mudo e...

mas ela GRITA-LHE A TEMPO:

“Pára palhaço pááááááára!!!

Pára! Bocó de merrrrrrrda!

Ufa, panaca! UUUUUUUU.........FA!...

Será que não entendes

a linguagem desta hora?!”

LA 01/007

 

 

 

Dez da noite. Sozinha em casa,

ouviu bater: era o vizinho...

E aí?... Estava só de camisola...

não dava tempo de cobrir-se —

ele podia se ir... Meu Deus,

o que fazer?... Fez, isto é, saiu

de lado e a meio corpo... As

mãos cruzadas sobre os peitos,

encurvada, os cotovelos

empurrando o pouco pano

coxas abaixo... enquanto diz

ao elegante moço:

Espera um pouco, André...

vou me vestir... Olha o jeito que estou....

Ao que lhe diz o rapaz conturbado:

Imagine, Patrícia, ima...imagine!...

Nem precisava tanto,

nem precisava...

LA 01/007

 

 

 

Toda verdade

tem seu ângulo-direção.

Se a vires por outro lado,

a desvias de ti.

LA 01/007

 

 

 

Desvia-te do perverso

e do santo.

Procura em ti um caminho

que vá além desses dois —

que te leve ao Um em ti.

LA 01/007

 

 

 

O homem

precisa aprender Misericórdia:

assimilá-la em seus genes

bio-psico-espirituais.

Depois desse aprendizado,

a tecnologia

lhe será muito útil:

útil-edificante.

LA 01/007

 

 

 

Meu amigo fez-me a gentileza

de sua visita.

Falamos por mais de duas horas,

sim: por mais de duas horas,

até vermos que não tínhamos

verdadeiramente nada

a nos dizer.

Despediu-se. Nos abraçamos.

Ele se foi.

A amizade não precisa de motivos,

nem de congruências.

É sempre aquele cafezinho

que nos passam na hora.

LA 01/007

 

 

 

Daqui a pouco te vais,

levando nada

em tuas mãos de vento.

Daqui a pouco

não haverá muito

nem pouco —

daqui a pouco.

O que és

há de caber numa casca

de noz —

uma consciência de ti mesmo

a saber que Deus te é

a caminho de O seres.

Sim, és uma consciência

a caminho de seres

o que te falta.

Uma viagem,

que és tu,

dentro de outra viagem,

que é o Sonho-Quem,

em ti.

Só levas

o que estás sendo

dentro do sonho

do que te falta.

LA 01/007

 

 

 

Concentração da riqueza,

repartição da pobreza —

deboche universal.

LA 01/007

 

 

 

 

Não raro,

quem legisla

o faz

dando às leis varias brechas —

escapatórias para si

e para a sua descendência...

já que as regalias são hereditárias.

LA 01/007

 

 

 

Coveiro trabalhando,

médico dando um diagnóstico,

juiz proferindo uma sentença —

não devem rir.

Mas você,

se não está agindo

como nenhum desses profissionais —

você, cara, pode rir —

aliás, faz sempre bem

e muitas vezes

é o único remédio.

LA 01/007

 

 

 

Marilda o tratava como cão,

trazia-o sob a sola.

Dava-lhe o quanto e quando

ela-Marilda houvesse por bem.

Mas ele nem precisava de sexo,

nem da sua fartura

siliconada —

só desejava mesmo

seu desprezo e pancadas.

Em geral exibia um gesto

de santo martirizado,

reiterando pelos bares

e na escola que dirigia,

que a amava,

que a amava muito.

LA 01/007

 

 

 

O vento sopra para onde quer

e com ele

os deliciosos enganos

que os homens chamam de amor.

LA 01/007

 

 

 

Gemer paixões é cultural.

Sim: cultural,

fatal —

o doce mal

que era normal

e hoje boçal:

mesmo caricatural,

que por sinal

já fora trivial

e agora muito sem sal —

um mal em seu fim final,

mas que festa! Um Natal.

LA 01/007

 

 

 

Depois do temporal,

vem a enxurrada —

e ninguém ajuda em nada,

aliás, saqueiam

alguma coisa que restou.

LA 01/007

 

 

 

Saudade, minha nega,

só a de depois de amanhã —

quando incendiaremos juntos

nossos lençóis. Sim, minha nega,

saudade —

só das fungadas

que ainda não demos.

LA 01/007

 

 

 

Use o seu coração

como piloto automático —

ele sabe de cor

o caminho de Casa.

LA 01/007

 

 

 

Para chegar,

ouse

lá no seu coração —

e espere já lá chegado.

LA 01/007

 

 

 

Tu és luz.

Deixa que a tua luz brilhe

e se enfeixe

com aquela da tua Casa.

LA 01/007

 

 

 

Viemos com a luz.

Iremos com a luz.

Sim: a luz é o nosso veículo —

nossa ontocondução.

LA 01/007

 

 

 

 

Amemos a luz,

desejemo-la

com toda a nossa força —

além de boa companhia

ela é o caminho interior.

LA 01/007

 

 

 

Deus nos é

enquanto estamos

a caminho de sê-Lo.

E é nesse enquanto estamos

que existe nosso destino:

aquilo que fizemos,

fazemos

e feremos —

ele nos dita o nosso estado-ser.

Claro que ao sabermos disso,

nossa vontade pode mudá-lo —

mas só até certo ponto.

LA 01/007

 

 

 

Vivemos para essencializar

tudo quanto esperienciamos —

tornar a vida em sonho:

dar-lhe um caminho,

um sentido,

uma finalidade

pelo nos transformarmos

e nos organizarmos nela.

E operamos essas coisas

pela renovação constante

do nosso entendimento.

LA 01/007

 

 

 

Pretende-se resolver

no pau

e na bala

as omissões reiteradas

do passado e presente.

LA 05/01/007

 

 

 

O fermento das diferenças perversas

faz a consciência

arrebentar os diques sociais.

Chega um momento em que já não dá

para empurrar com a botina

as diferenças:

entre a vala e o arranha-céu

há um serviço

de humanoplenagem.

O desprezo,

a pancada

e a bala

matam —

mas não calam.

Daqui para a frente

não vai dar para fingir

que tudo está sob controle —

tal perversidade

já não cabe.

Ninguém segura o vinho novo

lá nos odres da consciência.

LA 01/007

 

 

 

Veio-me o amigo.

Sentou-se.

Falou

de um modo assim

tão além

do mal,

do bem —

de um jeito zen

mais lá que aquém,

de como quem

não vindo vem,

não tendo tem —

assim: sem com nem sem,

ninguém-alguém

num riso-amém

de quem pegou o trem

que nem já vem...

Depois falou calado,

calou falando

sem como ou quando

num quase tom sem dom

para comer goiaba

ou chupar jabuticaba

com um pé sobre o muro

( estava escuro ) que eis...

desaba!

E a história acaba

como um chapéu sem aba.

LA 01/007

 

 

 

Ela me telefonava,

sempre depois das onze.

A voz de uma seda lustrosa

a cair-me por dentro das vísceras

com penas a fazer-me cócegas...

Ciciava que ciciava

soprando brasas

sob cinzas que voavam...

Eram instantes labaredas

queimando velhas sedas...

em alma de lembrá-las

desenhando seu corpo

dentro e fora de mim...

E era bom, muito bom conversar com ela

com a voz passando penas

lá por dentro em mim senti-la...

senti-la inteira, sim, ela toda,

nuela e nua em sua

vestimenta de lua

em minhas sensações

que a engoliam

inteira

feito uma píton,

feito uma píton

na noite fria

ventando frio

e arrepiando o escuro...

LA 01/007

 

 

Claro que a conheci.

Elástica, lindona...

Arrepiava sonhos.

Dava até pro marido.

LA 01/007

 

 

 

Por que escrevo?

Para mostrar para mim

que há um modo de dizer

que é melhor que não dizer.

Reconto-me as coisas

porque sei que elas têm

muitos corpos e faces.

Porque sei que pelo ver

e narrar

reciclo-me a compreensão

da realidade.

Não escrevo para mudar

coisa alguma

nem a ninguém,

mas para organizar-me

enquanto mastigador

de remoalhos

do meu ver em revisões.

LA 01/007

 

 

 

 

O verbo

é como aquele fio d’água

sobre a panela suja —

desengordura a gente.

LA 01/007

 

 

 

 

Tive um amigo do peito,

muito bondoso e inteligente,

que um belo dia me disse

( perto de um outro amigo )

que poesia é aquilo

que todo mundo faz

e ninguém lê.

Aí André lhe respondeu:

Aquela que todos fazem

não dá mesmo pra ler,

mas a sua, se me desse a honra,

gostaria de ler...

O amigo não ficou vermelho

porque era só um invejoso —

vergonha nunca teve.

LA 01/007

 

 

 

O amor é cego

mas enxerga bem.

LA 01/007

 

 

 

O ciúme é feio,

mas todos têm.

Se todos têm,

fica passável,

ou quase —

desde que se negue sempre.

LA 01/007

 

 

 

Pra frente, minha gente!

Que atrás vêm os tarados.

LA 01/007

 

 

 

Meu amigo estudara

as religiões e seus profetas —

principalmente aqueles tais

que nos criaram minhocas

para pescar:

pecar peixes que há

e aqueles que não há.

Sim, principalmente aqueles

que nem santos nem demos

ou arrebatados teólogos

jamais entenderão.

Meu amigo conseguira

decodificar

um conhecimento,

uma revelação

cósmico-planetária

de fazer tremer as pedras —

UMA DESGRAÇA DAS GROOOOOSSAS:

UM SENHOR APOCALIPSE

DE FIM FINAL.

Meu amigo olhou-me transtornado

como a quem não lhe podia

acompanhar a altíssima revelação,

e me disse um até-logo-adeus

molhado das lágrimas interiores

de sua condoreira espiritualidade.

LA 01/007

 

 

 

Sonhei que estava

lá nas areias piramidais

e sarcofágicas dos faraós.

E namorava, isto é,

sonhei que namorava a Esfinge,

que me dizia:

Decifra-me, meu mortalzinho,

meu pudim de leite de égua,

decifra-me, ou te como...

meu amorzinho virtual!

Virtual?! Aqui indignei-me:

tomei um pílula do Hulk,

transformei-me num gigante de pedra...

e adivinhem o que fiz!

Acertaram —

comi a Esfinge.

LA 01/007

 

 

 

Sim, uma imagem vale mil palavras.

Por outro lado,

se eu lhe puser numa das mãos

uma mala cheia de dólares

e na outra um pôster

da Casa da Moeda americana —

qual dos dois desejaria

levar para a sua casa?

LA 01/007

 

 

 

Confessando-se

Laurinha pergunta ao padre:

Este ditado: Quem tudo quer tudo perde,

é válido mesmo, frei Jacinto?

Tem sido, minha jovem, tem sido.

Quer dizer que se eu não souber dividir

meu cônjuge com outras,

eu o perco?!

Pode perder, Laurinha, pode perder.

E se eu não me dividir,

posso perder meu cônjuge?

Posso, meu sogro e confessor?

Não, minha filha, ele não a deixará por isso.

Eu e meu filho somos padres do Oriente

e o conheço tão bem quanto a mim:

temos que nos dividir com as pessoas, minha cara,

é da nossa profissão.

Tome muito cuidado, Laurinha,

com as palavras

e sobretudo com os provérbios.

A mesma frase que serve a uns

desserve a outros.

O adágio: Quem tudo ( ou muito ) quer

tudo perde

é só uma frase

tirada do seu contexto —

portanto falsa.

LA 01/007

 

 

 

Vive todos os dias como se fosse o último,

assim quando acordares saberás

que estás no primeiro dia da tua vida.

LA 01/007

 

 

 

A vida é como a goiaba —

a gente aproveita

as partes não-bichadas.

LA 01/007

 

 

 

Tive um amigo que esperava

dias tranqüilos

para escrever o seu livro.

Claro que não escreveu

nem no papel nem na areia —

talvez o tenha feito no vento.

LA 01/007

 

 

 

Certo amigo me disse

que tinha muitas belas idéias...

Rindo respondi a ele

que agora só precisava

transformar tais idéias em palavras.

LA 01/007

 

 

 

As canções expressam

nossos sonhos do avesso.

Do contrário, não precisaríamos,

ao ouvi-las,

concordar que elas desviram

nossos sonhos

para o lado

da nossa realização.

LA 01/007

 

 

 

Não queiras conhecer alguém

por lhe admirares a obra.

Todos aqueles que o fazem

ficam decepcionados.

Uma obra é o reflexo da coisa,

jamais a coisa:

o criado

é só imagem-semelhança.

LA 01/007

 

 

 

Às vezes ter razão é detestável.

Mas, se se tem, o que fazer

senão saber que tê-la

não leva a nada?

LA 01/007

 

 

 

Daqui a pouco já não somos —

éramos.

Se bem que há nisso

uma compensação —

ser ou não ser

já não será nenhum problema.

LA 01/007

 

 

 

Se a vida já não presta,

imaginemos o resto!

A melhor droga

ainda é viver.

LA 01/007

 

 

 

Como tudo

o que é sabichudo,

a vida não é de confiança.

E não aceita fiança

nem póstuma cobrança.

O negócio é vivê-la

como um jantar erótico

( que não precisa ser exótico) —

assim à luz da vela...

ou em cima do muro,

mas sem nenhum seguro

para que os nossos herdeiros,

por vezes tão zombeteiros,

não dancem nenhuma rumba

em torno da nossa tumba.

Sim, a vida não usa trança,

nem é nenhuma criança —

por isso

seu tom omisso

não merece confiança.

LA 01/007

 

 

 

— Você tá rindo por quê?

— Por nada.

Desde quando pra rir

é preciso porquê?

LA 01/007

 

 

 


Você já viu o Diabo?

Nem eu.

Mas vi pessoas

que só podiam ser demônios.

LA 01/007

 

 

 

Não acredita no Diabo?

Então fique sem dinheiro

na terra dos homens,

e lhe juro:

você o verá!

LA 01/007

 

 

 

Marilda me disse um dia:

Os homens são todos iguais!

Respondi à minha amiga:

A ver por seus binóculos,

vocês também, minha amiga,

são absolutamente iguais

a todos os homens.

Rimos gostoso. Sabíamos

que cada um deve ser

deliciosamente

a droga que é.

LA 0/007

 

 

 

 

As diferentes igualdades

fazem toda a diferença,

e as falsas diferenças

fazem as igualdades.

LA 01/007

 

 

 

A pior coisa deste mundo

é o cara saber demais

o que não sabe.

LA 01/007

 

 

 

 

Ela foi uma delícia:

pedante,

autoritária

e coquete!

Pisou nas  bolas.

Pisou com força

e para sempre —

uma delícia!

LA 01/007

 

 

 

Vocês são maravilhosas

e o nosso maior tesão.

Isso até quando escondam bem

o nosso nunca ter razão.

LA 01/007

 

 

 

Antes a goiaba com bicho

que nenhuma.

LA 01/007

 

 

 

A chuva castiga —

os pobres, é claro.

LA 01/007

 

 

 

Uma ponte é só uma ponte —

enquanto ela não cai.

LA 01/007

 

 

 

 

Temporais castigam os pobres,

os pobres

do Rio e de São Paulo.

LA 01/007

 

 

 

A chuva cai intensa,

densa,

imensa.

Sem medida,

a vida engole a vida.

LA 01/007

 

 

 

O que me falta

é diferente

do que lhe falta

( falo da nossa falta de ser ) —

mas mesmo assim

a nossa falta

traz em si

algo que nos diz respeito —

é humana.

LA 01/007

 

 

 

Salomão amou a sabedoria

e foi de fato um sábio.

Mas seu saber

não o privou de ser humano:

falou do tédio,

da vaidade,

do enfado —

do saco cheio pela vida,

pelo mundo,

pelo próprio prazer...

Salomão foi gente com gente,

foi sábio com sábios.

Sabia que Deus nos é

e cada um

está a caminho de sê-Lo.

Seus livros são deliciosos,

são-nos bons companheiros

os seus livros.

LA 01/007

 

 

 

Sim, o amor cansa.

São muito cansativas

as coisas que não são.

LA 01/007

 

 

 

Não, hoje não posso faltar.

Mesmo porque, minha nega,

sem meu trabalho,

sem a minha simpatia:

o meu cartão de crédito —

adeus-me o teu coraçãozinho,

que tem suas razões

que até a razão conhece.

LA 01/007

 

 

 

 

Matutando

 

Chuva grossa caindo desabada

em seu chiado com trovões lá longe...

Estou sem namorada ou cão que me ame,

e eu nunca tive vocação pra monge.

 

A minha amada, lá um tanto irada,

correu-me atrás ( em sonho ) com um alfanje...

só porque não lhe quis comprar salame

com a rua alagada... Essa Solange!...

 

Chuva e vento com fúria redobrada,

e eu sem capa e galocha nem vontade

de enfrentar a cidade enlameada...

 

Chuva , bastante chuva e trovoada,

e os meus sapatos cruzam a cidade,

firmes, levam-me à casa de Esmeralda.

LA 01/007

 

 

 

Se Vires Por Aí...

 

Se vires por aí aquela Inês

que nunca foi rainha nem sofreu

a não ser mal de amor: que nunca fez

mal a ninguém, mas só lhe apeteceu...

 

Se vires por aí aquela Inês

que sempre fez, refez e aconteceu

ao sol e à noite, e que adotou o “talvez”

bem entre o sim e o não, e assim viveu,

 

 

vive gostosamente por aí,

assim como o tiziu e o bem-te-vi...

Sonha, realiza e vive, mas de viés...

 

Inês: faz mel, ferroa, zumbe como abelha...

Se vires por aí aquela Inês,

diz que lhe  adoro os sutiãs de orelha.

LA 01/007

 

 

 

O que pensas ter no outro

não está no outro,

mas no teu sonhar-te ali.

Sonhar-se no outro

é a via andante

que o transeunte

traz em si.

Se nós não somos Deus,

Ele nos é.

E entre Ele nos ser

e a nossa marcha até sê-Lo

está nosso destino:

aquilo que temos criado.

Pela vontade-agir

podemos mudá-lo —

até certo ponto...

No mais,

a saída é vivê-lo —

de um modo pelo qual

nos livremos do mundo

e de nós mesmos.

LA 01/007

 

 

 

Hoje morreu o gato Paulinho.

Quando lhe veio a dona,

que lhe acariciou o rosto,

olhou-a manso e forte

e lhe disse todas as coisas do mundo —

dentro do seu último, discreto

e já frágil miado.

LA 10/01/007

 

 

 

Sim, o gato Paulinho

morreu

com a dignidade dos bichos —

manso, calmo, sem medo...

e olhando, olhando amor.

LA 01/007

 

 

 

Aprendemos muito com os bichos —

aprendemos as coisas humanas

que ensinamos a eles

e já esquecemos.

LA 01/007

 

 

 

Sim, os bichos domésticos

aos poucos vão se humanizando.

Aprendem rapidamente

as nossas humanidades —

talvez porque com eles

podemos abrir a guarda

do humano em nós.

Sim: com eles

somos bem mais honestos

e espontâneos.

LA 01/007

 

 

 

Por bobagem que pareça,

o homem, a mulher de hoje

são cada vez mais solitários,

e seus animaizinhos

lhes humanizam

a solidão.

LA 01/007

 

 

 

Muitos povos

julgavam que os animais

de casa

desviavam nossos males

para si.

LA 01/007

 

 

 

De fato,

viver rodeado de bichos

nos dá ares de majestade...

Sentimo-nos bem

recebendo de volta

o amor que damos aos bichos,

amor, aliás, que se nos reverte

em afetos-preenchimentos —

somos amados!

LA 01/007

 

 

 

Os bichos vão bem, obrigado!

E tudo estaria bem,

não fosse a psicologia

invertida

que há nisso —

dá-se trato especial para os bichos

e desprezo aos seres humanos.

LA 01/007

 

 

 

Claro que o contato

com animais domésticos

há de nos ser

prazeroso e benéfico.

Fonte de aprendizagem

e barganha de afeto.

LA 01/007

 

 

 

Você não foi,

mas

se arrependeu.

Pensa que fora melhor

tivesse ido...

O humano em nós

é desse jeito mesmo —

nos pune porque-não,

nos pune porque-sim.

Assumir o “não” ou o “sim”

é só o que podemos.

O mais,

o mais é não saber...

E não saber

é sempre a melhor parte.

LA 01/007

 

 

 

Cantando,

se dizem horrores

e ternuras.

E todos aplaudem

civilizados,

fingindo

que adoraram.

De fato é belo

saber fingir,

além de arte,

é belo:

o belo de fingir —

a beleza-verdade

do momento.

LA 01/007

 

 

 

Recém-macacos arrogantes,

antes de aprendermos Relacionamento,

construímos tecnologias

para nos sobrepormos aos outros.

Criamos infinitos “ismos” e “ias”

e depois de milênios e milênios

nunca estivemos mais destruidores!

Hoje pensamos que nem temos jeito —

sim, temos consciência

da nossa insanidade, ou melhor:

periculosidade.

O diabo foi termos passado

à frente dos bois o carro...

Fomos alunos equivocados —

aprendemos a destruir

bem antes de criar...

Sim, hoje destruímos

em proporção geométrica

e criamos

segundo os passos que empreendemos

para subir uma colina.

Uma aprendizagem

que nos faz dominar técnicas

( em descompasso, ou nenhum passo ),

em visível desvantagem

com o crescer do humano em nós.

Aprendizagem

que a cada dia leva o mundo

a atolar-se no auto-engano:

falta-lhe simpatia, amor

pelo ser humano:

o afeto que preenche diferenças.

A saída seria

aprendizagem-desaprendizagem-reaprendizagem,

em que o novo processo

de aprender

fosse a essencialização

da vida em humano —

amor-e-técnica

com técnica-e-amor.

LA 01/007

 

 

 

Bendita libido(!),

cuja força

faz alcançar o inalcançável,

dando aquela sensação

de achar no outro

o que nos falta.

LA 01/007

 

 

 

Ninguém nasceu aprendido.

Se não se aprende não se é.

01/007

 

 

 

Apocalipse é ensinamento,

e não tragédia:

revela o processo de ser —

a essencialização da vida

em humano-transcender-se.

O apocalipse se deu,

está se dando

e se dará.

Entre o ser

e sua precisão

de abrir-se em flor-consciência

reside o apocalipse de cada tempo —

o homem em busca

de sua falta

de ser.

LA 01/007

 

 

 

Um rio é uma entidade

que caminha por dentro

de si mesma.

LA 01/007

 

 

 

Quando evém o vento

as árvores despertam

e bocejam...

Espreguiçam...

e acenam umas às outras...

Folhas e vento

contam-me histórias

quando de minha cama os ouço

e me interpretam o tempo

ou me executam vários ritmos

em sua antiga rabeca.

LA 01/007

 

 

 

Com um dia atrás do outro

tem-se uma corda de dias...

Muitos a usam para enforcar-se,

outros para fazer um balanço

e entregar-se ao seu vaivém

com belas moças ao colo.

LA 01/007

 

 

 

De fato, Proust,

o melhor desta vida

é estarmos à sombra

das raparigas em flor.

LA 01/007

 

 

 

A amizade entre um homem

e uma mulher

sempre acaba enterrada.

LA 01/007

 

 

 

O homem atual

fala de sua cornitude

com uma certa libido.

LA 01/007

 

 

 

Os cônjuges, que se traem,

o fazem por um gozo

duplicado.

Coitados! —

não sabem inventar.

LA 01/007

 

 

 

Envelhecer é algo lamentável

de que nada adianta

se lamentar.

Só um consolo:

antes um velho vivo

que um moço morto.

LA 01/007

 

 

 

Muitos poetizam o envelhecer,

e recebem muitas palmas

dos velhinhos —

mas não convencem.

Envelhecer nos faz alegres

porque é o melhor remédio.

LA 01/007

 

 

 

O vento fustiga

a noite com velho açoite...

Virá hoje a amiga?

LA 01/007

 

 

 

Seus olhos me dizem

que o amor morreu de supor

verdade o que dizem.

LA 01/007

 

 

 

Fazemos, fazemos...

Semeamos... já nem lembramos...

Surpresos, colhemos.

LA 01/007

 

 

 

Mais bela a outra margem...

pois lá morava Diná...

Um gosto de viagem.

LA 01/007

 

 

 

É belo o teu riso —

um timbre de prata tine

se os dedos lhe piso...

LA 01/007

 

 

 

É lindo, muito lindo

teu rosto ao sol recém-posto...

E de tão lindo, infindo.

LA 01/007

 

 

 

Não chores, minha nega,

que a vida é mesmo fingida —

só dá o quanto nega.

LA 01/007

 

 

 

Sim, cansa, a espera cansa.

A espera faz sua cera,

mas zumbe de esperança.

LA 01/007

 

 

 

Esquente não, comadre!

Que a vida é mesmo lambida

com a moça e com o frade.

LA 01/007

 

 

 

Não, Rosa, chores não!

Se choras tu me decoras

de pétalas o chão.

LA 01/007

 

 

Fazer amor e a guerra

é a delícia e maior perícia

desse bicho da terra.

LA 01/007

 

 

 

A vida, nega, é asas —

só certas enquanto abertas...

O mais é vento e brasas.

LA 01/007

 

 

 

Quem sabe, um dia, nega,

te encontro, e tenho o que o bronco

do teu amor me nega.

LA 01/007

 

 

Te coça, amor! Descansa

a xota, a bunda, o mais, e nota

que tens só a esperança.

LA 01/007

 

 

 

É sempre amanhecida

a nossa esperança, Rosa,

sim: sempre prometida.

LA 01/007

 

 

 

É torta, bela e torta

a rua por onde a lua

lhe bate leve à porta.

LA 01/007

 

 

 

O padre é que lhe vinha

vindimar bem devagar

a sua bela vinha.

LA 01/007

 

 

 

O outono boceja

o ai dançado que cai

na folha que voeja...

LA 01/007

 

 

 

Beleza e verdade

são verso com seu anverso

da mesma unidade.

LA 01/007

 

 

 

A nossa alma atual

tem seus ( de outros tempos ) “eus”

pra hora integral.

LA 01/007

 

 

 

Mais belas que suas pernas,

só aquelas que adivinho.

LA 01/007

 

 

 

Você foi um raro vinho.

Pena que hoje

só me resta a garrafa,

que pra não dar

o meu braço a torcer —

transformei-a em vaso.

LA 01/007

 

 

 

 

Sim,

uma garrafa bordada

que hoje me serve de vaso

para flores mentais...

Entre muitas virtudes,

você foi um licor precioso.

Ainda tenho a garrafa,

vazia,

mas cheia de beleza.

LA 01/007

 

 

 

Foi-me teu corpo

diversos instrumentos —

de onde fui aprendendo

a extrair vária música

em tons universais

e infinitos

que formam uma sinfonia

guardada com carinho

lá em eu te recordar.

LA 01/007

 

 

 

Ter passado não machuca

quando a memória

mostra um saldo feliz.

LA 01/007

 

 

 

O melhor desta vida

me foram os teus braços.

LA 01/007

 

 

 

O que não foi tão bom

não foi nada tão terrível,

que a vida não permitisse

pudéssemos ser felizes

na própria infelicidade.

LA 01/007

 

 

 

Dependendo do ângulo

em que vemos as coisas,

o terem sido boas

ou más —

é só uma questão

de posição

e aflição.

LA 01/007

 

 

 

Não adianta, não se mude

para a margem de lá.

Lá também há solitude

como na margem de cá —

mera ilusão de posição.

LA 01/007

 

 

 

 

Esse bem e esse mal,

que vemos em tudo,

é preciso enxergá-los

com olhos de mais além.

Os fatos trazem em si

uma história

que nos será contada

depois

e recontada

além-depois.

LA 01/007

 

 

 

O que temos

senão a nossa vida,

que é Deus em nossas veias

e nossa viagem-aventura

por Ele adentro e afora?

LA 01/007

 

 

 

Bela esta hora —

aqui-agora é o

centro

do amor de Deus.

LA 01/007

 

 

 

André reviu

seu velho PROFESSOR:

identidade

petrificada

na família,

no status.

Um mamífero mimado.

Alma espaçosa,

granítica.

...........................................

Mal-estar.

LA 01/007

 

 

 

 

Há os que durante a vida

se alijam

do mundo

e de si —

conseguem livrar-se

do visgo.

LA 01/007

 

 

 

Há os que se apegam tanto

que se transformam nas coisas

por que lutaram —

viram cola

dos pensamentos

que os pensaram

e dos sonhos

que os sonharam.

LA 01/007

 

 

 

Há os que agem

e vêem-se agindo —

os que sabem mudar o rumo,

o sentido,

o nexo

do seu agir

por fora e dentro

de si,

do mundo —

mesmo estando tudo

em louco movimento.

Aprenderam

o ritmo cósmico da vida.

LA 01/007

 

 

 

Há os que vivem o sonhável

como vivem os seus dias —

entre o real,

o virtual

e o nexo-além,

essencializam a vida

de ser a ser-se.

LA 01/007

 

 

 

Há os que trocaram saber

por não saber —

para poderem ser

plenificados pelo Espírito —

e terem a sabedoria

em lugar e tempo

em que dela precisam.

LA 01/007

 

 

 

Saber jogar fora

ou esvaziar-se

é ganhar-se.

Não sabê-lo

é perder-se.

LA 01/007

 

 

 

Quem sabe

ousa.

Quem não sabe

não poderá atrever-se —

pelo risco de esmagar-se

sob o sonho que empurra ladeira acima.

LA 01/007

 

 

 

Há três forças que regem:

a Providência,

o Destino

e a Vontade.

A primeira

faz cumprir.

O segundo

conduz o ser.

A terceira

recria o destino

( pessoal ou coletivo ).

Recria e muda —

ao longo de...

portanto: até certo ponto.

Deus nos é

enquanto caminhamos

pela estrada que criamos ( destino )

a caminho de sê-Lo.

LA 01/007

 

 

 

Escrever limpa os poros

da sensibilidade —

fica-se permeável

ao silêncio verbal

que viceja no húmus

lá em nós.

Limpa os canais

e o fluido cósmico

oxigena os capilares

do sonhar-gestar-parir.

LA 01/007

 

 

 

Escrever faz pensar,

pensar

faz escrever.

A palavra é sempre ubíqua

lá por veredas de ser

à procura da estrada

que a leve a realizar-se

em humano.

LA 01/007

 

 

 

Os que passam pelo deserto

se abrem em flor

para ouvir a si mesmos —

se bem que sua própria voz

lhes soa como de outro...

De outro si-mesmo

que essencializa a vida

em caminhos

onto-intuitivos de ver:

a consciência mais para fora

do ser —

mais lúcida e vígil:

reversível na transformação,

transformação-renovação

do humano entendimento.

LA 01/007

 

 

 

Os bons livros são caminhos

e companheiros de viagem —

sempre abrindo picadas

para os passos ( dentro e fora )

da humanidade.

LA 01/007

 

 

 

 

Sim, Bial,

morrer é fácil.

Difícil é viver

e transcender-se

enquanto vive.

A vida é frágil

para o homem

não se exceder

( ainda mais )

em sua arrogância

e prepotência.

Bem mal das pernas,

estamos a caminho

daquele sonho-mais

que é Deus em nós.

O mais,

o mais é renascer

pela transformação

do nosso entendimento.

Um dia, sem onde ou quando,

seremos tão diferentes

de nós mesmos,

que havemos de exclamar:

“Senhor, jamais desconfiamos

que Tu nos eras!” —

tamanha a remela de auto-engano

com que fomos nos encobrindo.

..............................................................

A morte é linda, Bial.

A morte é o fininício

de algo que jamais está pronto —

a vida em seu querer-se mais,

seu precisar-se mais:

seu transcender-se

para viver-se mais.

Vida e morte se incluem

num só processo trino

em que apenas o dual

deixa-se ver...

LA 01/007

 

 

 

Vamos lá, minha Hafiz, —

te mete num burquíni

e a gente vai se molhar.

Quando há gingo e conteúdo

dá sempre samba pra caramba

e carambolas.

Se me permites,

ó das arábias,

a gente põe de lado

toda e qualquer caraminhola

e te visito, minha Hafiz,

a casinhola —

e havemos de fazer chover

até molhar o seu burquíni...

E o tiras logo, minha nega,

pra  não pegar um resfriado.

LA 01/007

 

 

 

O burquíni, minha Lu,

foi inspirado

na terra do canguru.

Aliás, imaginemos

a pele de um canguru —

e teremos um burquíni.

O marsúpio, você me entende,

fica por conta do capuz...

e pronto! Tá feito o seu biquíni,

ou melhor, o seu panquíni,

minha fofa.

Agora é só esbaldar-se...

O mais,

o mais a gente adivinha,

e é danado de bonito.

LA 01/007

 

 

 

— Havemos de vencer!

— Vencer o que, meu pai?

— Nada.

É só um modo de falar

quando a gente tem medo.

LA 01/007

 

 

 

Chove e chove tanto,

que faz lembrar Noé.

Com uma diferença —

estamos sem barco.

LA 01/007

 

 

 

Bem pior que as enchentes

terríveis

é o quanto se mata por dia

na terra das palmeiras

onde canta o sabiá

e a corruíra.

LA 01/007

 

 

 

Terrível, meu senhor,

é quando os dias não se sucedem,

mas coexistem —

esta esperança

eternamente amanhecida

a padejar o pão

que o diabo amassa

e passa

dia dentro de dias

para o povo.

LA 01/007

 

 

 

Houve um país

não sei onde,

só me lembro que vivi lá,

que teve uma série

de mandatários

que sob um céu

abençoadamente azul

profetizavam ao povo

( já no discurso de posse )

dias cinza,

anos cinza,

vida cinza.

E de fato,

a classe média baixa

e os pobres

gemeram soterrados

nessas cinzas.

Profetas canalhas

que ( a História esta aí )

cavaram dias

de muitas cinzas

para os pobres,

só para os pobres.

LA 01/007

 

 

 

 

País de jovens?

Não, país de gente.

A sociedade existe

para, num todo,

todos trabalharem

para o bem desse todo.

Claro?

Não, senhor, muito escuro.

Os dois extremos etários

desta nossa sociedade:

o das crianças

e o dos que chamam de velhos,

estão sempre e sempre

sendo empurrados para a vala.

Cinismo, insanidade, canalhice...

Até quando não se cuidar do todo?!

Não fazer valer os estatutos

e aperfeiçoá-los?!

Passou da hora de aprendermos

a interdependência

e a solidariedade —

não para amanhã,

mas pela vergonha

de ainda não as termos já.

Somos um rio —

cuidemos de nossas águas

como um todo.

Deixo aqui meu SOS.

LA 01/007

 

 

 

Toda morte deveria

ser semente —

quando quem morre

é gente de boa vontade.

LA 01/007

 

 

 

Nicolau, Nicolau,

toma logo o teu mingau —

senão esfria

como esfriou a Helena

do Menelau.

LA 01/007

 

 

 

— E aí, André?

— Nem “aí” nem “ai”,

só um modesto “oi”.

LA 01/007

 

 

 

Passei lá na Daspu,

minha nega,

e comprei estas calcinhas

pra você não usar.

LA 01/007

 

 

 

Não demora,

e o mundo me acaba.

Aos que ficam,

bom proveito.

E saibam:

só é nosso

o que construímos em ser.

Ah! E não se esqueçam:

a moeda cósmica

é o altruísmo.

LA 01/007

 

 

 

O que for bom para nós

e prejuízo para ninguém —

isso devemos fazer.

O mais

será criar destino —

pessoal

e

grupal.

LA 01/007

 

 

 

A reunião do Mercosul,

hoje,

esteve mais para o norte

da irrealidade.

Mas o Mercado sai,

claro que sai —

nem que seja do mapa.

LA 19/01/007

 

 

 

 

 

A natureza anda brava

e braba —

espelha o estado interior

da humanidade.

LA 01/007

 

 

 

A negação da coisa,

faz a coisa correr

atrás de nós.

LA 01/007

 

 

 

A afirmação da coisa

faz-nos olhá-la de frente

e lhe dizer:

te aceito

ou:

não te aceito.

E o primeiro passo

terá sido dado.

LA 01/007

 

 

 

Vasos, imagens, cruzes,

colunatas, argolas, alças,

pedaços de túmulos,

de caixões e outros objetos

( inclusive farrapos

de vestimentas )

de cemitérios

têm sido roubados

com gula necrófila.

A libido se aguça

quando a morte e o sagrado

oferecem um tempero erótico —

vida-morte-sacro-sexo.

Sim, o biófilo

e

o necrófilo

a fruir o gozo no passado,

o gozo no presente

e o gozo no futuro.

Um orgasmo doente,

mas super,

super-orgasmo.

LA 01/007

 

 

 

Trazer pedaços de cemitérios

para casa

é no mínimo afrodisíaco

para certas pessoas

de alma terrosa.

LA 01/007

 

 

 

Já cultivei belas flores,

elegantes e chiques.

Depois troquei nobres rosas,

bombásticos crisântemos,

dolentes dálias,

raras orquídeas,

finas, esguias madressilvas —

sim, troquei-as

por um só bem-me-quer.

LA 01/007

 

 

 

 

O prosaico é como o ridículo —

um anda ao lado da poesia,

o outro, do solene.

LA 01/007

 

 

 

Os braços que te esperam

são os braços que te esperam.

O mais

são laços de papel molhado.

LA 01/007

 

 

 

Mais vale um bem-me-quer

que todas as flores do mundo.

LA 01/007

 

 

 

O belo da metafísica

é não servir para nada.

O belo da teologia

é pensar que nos serve

de alguma coisa.

Mas apesar

de sua não serventia,

ambas confortam.

Confortam

por adornar respostas

e aquietar

a fé.

LA 01/007

 

 

 

A filosofia é como o amigo

que te acaricia o ombro —

conforta um bocadinho.

LA 01/007

 

 

 

Freud não serve pra nada,

sim, não serve pra nada

que não seja tudo.

LA 01/007

 

 

 

Sem Freud

estaríamos sem o lanterninha

que nos ajuda a achar

um lugar no cinema.

LA 01/007

 

 

 

A história

é a interpretação de mentiras

que acabam sendo a verdade

que os homens abominam.

LA 01/007

 

 

 

A geopolítica

é a arte de puxar o tapete

de sob os pés dos povos

que acabam aprendendo

a voar nesse tapete.

LA 01/007

 

 

 

A escatologia

é a ciência do cansaço —

do fim final

e do fim começo.

Além de ser assíduo consolo

dos pobres e miseráveis.

É a lâmina terrível

dos espertos.

LA 01/007

 

 

 

 

Em geral

“ismos” e “ias” são armadilhas

de pegar homens e mulheres

inteligentes —

legítimo presente grego.

LA 01/007

 

 

 

Bem, vou dormir,

que hoje estou sem mulher.

LA 01/007

 

 

 

A mulher do André

o advertia sempre:

Não dê o peixe,

ensine a pescar!

E ele:

Mas onde e como,

se por aqui nem tem rio?!

LA 01/007

 

 

 

Firmino foi bom marido —

nunca viu nada

que não fosse normal.

LA 01/007

 

 

 

Zilpata foi boa esposa —

não enxergava sem óculos.

LA 01/007

 

 

 

Depois que lhe morreu a esposa

( jovem e bela ) —

o amigo não mais o visitou.

LA 01/007

 

 

 

Já comeu pizza de bode?

Nem eu.

Ontem, um artista famoso

ensinou como fazê-la.

As mulheres adoraram.

LA 01/007

 

 

 

Já viu assombração?

Nem eu.

Minha vizinha vê.

Desenvolveu a mediunidade

com o dono do empório

da esquina —

barbudo e gordo

feito um gorila.

LA 01/007

 

 

 

Na delegacia André se explica:

Não, doutor, eu não ameacei

o rapaz,

apenas lhe pedi

— e todo o bar ouviu —

que não proferisse palavras

de baixo calão...

porque a mulher com quem eu estava

ali, àquela mesa

( horas e horas madrugada adentro )

era, sem nenhum favor,

a esposa de um nobre e distinto

amigo meu.

LA 01/007

 

 

 

Sim: a esperança é a ultima que morre —

mesmo porque

não poderia morrer antes

de quem a acalenta.

LA 01/007

 

 

 

A cobiça

está sempre naquele ponto —

granítico.

LA 01/007

 

 

 

A minha amiga Ofélia

adora obeliscos.

Quando vê um,

beija-o em cruz,

assim:

deixa uma boca horizontal

e outra vertical.

E Jura: dá certo —

nunca ficou sem.

LA 01/007

 

 

 

Aos domingos e feriados,

ali pelas duas e meia da tarde,

a gente ia para o quarto

e se matava de prazer

naquele antigo jardim

de que Deus expulsou

nossos antigos pais.

A serpente,

calada e de óculos grossos,

discreta como secretária

de ministro,

ficava a boa distância

segurando com a cauda

paninhos e cremes.

LA 01/007