PEGADAS NO TEMPO
todas de LAERTE ANTONIO
Alma Das Coisas
Olha: um pássaro...olh... Bonita a cor do seu vôo. .............................................. Pra onde foi, molhado de ouro e azul?
Esta manhã, vista com olhos de navegante, também é um pássaro...
Também a vida e suas doçuras-penas... Olha: ................................ Deu pra ver?
— Onde o pássaro? — Na lembrança do seu vôo. — Onde seu vôo? — Na mão de Deus. — E a vida? — No sonho feito coisas. — E as coisas? — No re-sonhar de tudo.
Apenas Vive
Deixa que o mundo seja o que precisa ser. Dá-lhe pão, dá-lhe água — se te pedir, mas deixa-o ser o que precisa ser.
O que vês é só a sombra desenhada com a luz de um projeto soberbo — que já está sendo para além de teus olhos.
Quando a paisagem é interior, não podes distinguir o passar das sombras da luz que as move. Neste caso, entrega o barco nas mãos do Capitão.
Entrega o teu coração na mão que sempre te susteve. Vive e não temas: nada que é vida corre perigo. Apenas vive.
Des-Sim
Quando olhas para a tarde, a tarde já não está. Bocejas, te coças, dobrando o jornal decrépito, que recebeste de manhã.
Que vida boa, a que não vives. Que delícia, o que não sentes. E que mulher, a que não tens. Que bons amigos, os que terias. Mas nem por isso a vida te vale menos que um olhar despercebido... ou um sorriso endereçado pra ninguém.
Nem por isso buscas um sentido que te mostre um pingo ou vírgula no sem-sentido que às vezes notas de lado, a bocejares, a te coçares com uma vontade sem vontade. Nessa desatitude, sorris feliz de já nem precisar de nenhuma felicidade em mais um dia de coisa-vida.
Drama Em Humano
Não me interessa o homem, não me interessa a mulher — a mim só me interessa o humano da criatura.
Nem o macho, nem a fêmea — mas o seu drama em humano. As diferenças de ordem “funcional” não me interessam: meros condicionamentos ( internos e externos ) ao ser e ao meio.
Não vejo a fêmea, não vejo o macho — figuras programadas segundo um plano... Diferenças planejadas para um fim. Nada de sermos títere entre essas diferenças indiferentes...
Nem pelo macho, nem pela fêmea. Só me interesso pelo ser e seu destino.
Não me vejo homem, não me vejo mulher — vejo-me transeunte do meu destino. Do homem e seu teatro, isto é: do Homem e do seu drama em humano — é que extraio o meu caminho e a força para a jornada.
E Viva O Efêmero!
A beleza de haver o amor é que o amor nem precisa sê-lo, basta que seja ternura e dure o riso de uma rosa. Será o tempo de pô-lo no vaso, amá-lo por metáfora, e ao outro dia, — jogá-lo fora. Assim as rosas da roseira nunca nos serão demais.
E viva o efêmero de que extraímos os nutrientes do sonho. A vida é bela só porque estamos a perdê-la ( para podermos reganhá-la ).
Felizes
Felizes nossos avós, que não foram felizes mas morreram pensando que sim.
Felizes nós, cuja felicidade vive embutida na esperança que mora no futuro de não sabermos.
Felizes os corações que, quando não têm, — inventam.
O Falso? Brilha Mais...
O falso brilha mais. Não é assim com as jóias? Com o discurso dos homens? Não é assim com o sol refletido no espelho? É que o falso traz a fúria de precisar mentir o que não pode ser.
Entre o falso e o não-falso, só se engana quem quer: o falso brilha, o verdadeiro ilumina.
Oficina Do Tempo
As linhas da minha mão me dizem que posso reescrevê-las. Dizem-me, aliás, que o homem nasceu para reescrever sua vida — refazendo coisas velhas com o fazer de novas. E que o definitivo seria petrificar-se — o que a vida não admite nem para as pedras que se fingem de mortas. Vivemos para refazer coisas velhas em novas. O tempo é a parte moldável, móvel da vida: leva-nos de nós para outros, de outros para nós e de nós para aquela Casa (em nós) onde Deus nos espera (e já nos é). Viver é construir(-se) na oficina do tempo.
Procura
Procuro por uma alma, não uma gêmea da minha — mas em tudo tão diferente, que por tanta diferença tanto assim nos queiramos.
Procuro por uma alma que me ensine a fazer amor com a luz. A ver , por dentro, o sonho das pedras, a sonhar, por fora, os desejos do meu coração.
Procuro por uma alma que seja o riso do meu pranto, as delícias da minha dor. Luz e sal do meu viver, rosa azul da minha espera.
Quem souber de uma alma assim, com tais divinas diabruras, que não seja bobo não: convide-a depressa a entrar e feche, com muito jeito, as portas do coração.
Respostas
Se clamas por justiça, não duvides: ela existe. Se bem possa ocorrer que não a vejas... A vida não nos dá satisfações... Não nos dá. Talvez nos teste a fé. Tomara que a tenhamos: a fé corta caminhos.
Não exijamos respostas. Na maioria das vezes elas não vêm. ( E se as tivéssemos, talvez fosse pior que não sabê-las. ) A vida nada nos deve e sempre faz questão de nos deixar bem claro que, com amor, tudo é possível — sem ele, não. A vida pede, em silêncio, um amor que saiba não ver.
Viva! ( Interjeição )
O humor é o molho para o pão seco que temos de sofrer.
Se fino ou pícaro, ou de um grotesco-piada — isto depende da ocasião e do ladrão.
( O humor ensina. Quixote me dedou que sou ele e ambos nos somos. Não só Quixote. O padeiro, o presidente mostram-nos que somos eles.)
O humor é uma forma de (se) agüentar. E de cuspir sem molhar.
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