OS TRÊS LADOS DO RIO
parte 2 (Laerte Antonio)
Conclusão...
Muito pé no chão resfria.
Nem levitante,
nem assentado.
Muito no ar,
colide.
Muito no chão,
vegetaliza.
( Também não como o tiziu
cantando:
nem no ar
nem no arame... )
O ideal... Não, não sei
o que seria o ideal...
[ Lá nos anos (19)60
todos tínhamos um Ideal
com uma trempe
de ideaizinhos... lembram?
E também lembram
o que ganhamos?!!...
Ótimo, assim não preciso
desbocar-me.]
De modo que não sei
o que seria o ideal,
já que este também é
irmão das nuvens
e das vertigens.
( Falando sério:
muita seriedade
espanta —
espanta crianças,
os cachorrinhos,
os nervinhos...
e assusta o espelho. )
Sim: nem tanto no ar,
nem no afamado chão.
— Onde então?
— Sei lá.
.........................................................
Conclusão: nenhuma.
LA 12/04
Quem caminha
nem sempre chega.
Quem fala
nem sempre diz.
Quando diz não assina.
Quem espera
nem sempre alcança.
Ou, se alcança,
logo vê que não é...
Mas por ser,
por ser assim mesmo
é que, em não sendo assim,
fica até parecido.
E o que parece
em geral já não é
aquilo que estava sendo...
pois...
Pois é assim. E se não é,
parece ser e acaba sendo
pela insistente parecença...
( Só a mulher de César — lembra? —
é que tinha de ser e parecer honesta.
Caracas! )
...........................................................
E eu, que conheci um cara
dono de um cachorrão
( bicho doido por gatinhas! )
que aprendeu a miar em inglês...
Juro!
Te juro pelas pernas da finada
Monroe: naquela cena do respiradouro
na calçada...
a lhe refrigerar o éden!...
..........................................................................
Mas o que dizia mesmo?
Ah! Que o diabo do cachorro
aprendera a miar em inglês...
Mas de nada lhe valeu —
a gataria
só entendia francês.
De modo que a única expressão
para o sexo
era o sexo.
Delícia! Cada qual miava,
aliás, gritava em sua língua
coisas unhas miogemidas...
E o cara, o dono do cachorro,
achava tudo tão normal,
que o chamava de Félix vitoriano...
Isto é... Não, não é. Só
seria...
Ah! Quase me esquecia:
a mulher desse cara era tão bela,
tão malucamente hormonal,
que não restava ao pobre
senão trancá-la
a muitas chaves e trincos.
— Já sei: ela fugia
pelo buraco das fechaduras,
pelas frestas das...
Errou. Ela fugia
pelos corredores de um chip
que o farmacêutico
( amigão da família )
lhe implantara
na face esquerda dos detrases:
lá embaixo,
perto, bem perto do desfiladeiro
das Termópilas...
Era só coçar o tal diabinho
( o chip, lembra? ),
que ela se invisibilizava
e transitava
como um neutrino...
.................................................................
Ah! Não adianta você buscar saber
desse tal farmacêutico —
o cara foi arrebatado
( literalmente arrebatado! )
dentre uma roda de amigos
num happy-hour
enquanto engolia a nona caipirinha...
LA 12/04
Rosilady, a mulher do açougueiro,
que brandia facas incisivas
e afiadíssimas
e incidiam igual coriscos
( sim: facas relampejantes )
e tinha um vozeirão
que lhe alçava o bigode
de duas voltas...
Essa tal Rosilady era tão bela,
que todos os mancebos da cidadela
( e os de meia-idade e os velhinhos )
tinham as suas lunetas
a espetar-lhe o corpo
( quando ela se esquecia de fechar
as cortinas dos lados...)
Sobretudo quando ela se massageava os pígios
e os míjios,
os peitos e o ventre,
as coxas e os detrases...
dentro das lentes cá de fora...
lá ( no oitavo ) atrás dos vidros
numa penumbra
de lingerie evaporando...
Com o tempo,
por iniciativa ( não lei ) inculcada ( pela Câmara ),
foi obrigatório pôr grades em prédios e janelas altas
porque muitos velhinhos se defenestravam
ao vê-la masturbar-se cheia de cremes
e vibradores de última geração...
naquela dança serpenteada... Se atiravam
de prédios, sobrados, coqueiros, sacadas...
cantando o Glória à Carne, de Erotino,
e se esborrachavam de prazer...
.....................................................................................
As senhoras da 3.ª-idade se indignaram:
“Já não temos machinhos suficientes,
e os poucos que a vida nos usura,
essa putona os mata?!! Ora, ora! Grrrrrrrr!...”
Sim, uivavam, ululavam
de vê-la pinxotando no ar
em movimentos de rotação, translação
em circunvoluções de arder a carne... e...
Muitas senhoras ficaram viúvas,
muitas mães, sem seus ‘meninos’.
Era coisa de navalhar a carne...
espetar a alma...
chicotear o espírito —
coisa de fazer Kundalini
serpentear até a pineal
( diziam-se os esotéricos ).
Tinha um molejo de levar aos páramos...
Dom de constelar a carne,
a alma,
o espírito.
Fazer o vento
desfolhar os jasmineiros,
as roseiras, os hibiscos
até quase matá-los...
Rosilady não dava.
Tinha horror de morrer
( às vezes até sonhava )
retalhada pelo aço doído
daquelas facas
que o marido afiava eternamente,
eternamente esfregando-as ( no ar )
num falo de metal: afiava-as eternamente
com o mesmo prazer com que à noite
rachava a sua Rose,
rachava-a carinhosamente ao meio...
Não dava, mas mostrava...
e isso podia: podia mostrar de longe.
Nisso o marido consentia,
era até um entusiasta...
Ele mesmo compartilhava da luneta
dos cinco irmãos solteirões
do prédio ao lado...
e lhes ia narrando —
farto connaisseur e cicerone
daquelas plagas-corpo...
E todos se deliciavam
em catapultar o prazer liquefeito
janela abaixo...
Eram várias lunetas,
diferentes e várias.
Muitos assentos, um cineminha
com duas seções: das 9 às 11;
da meia-noite às 2 da matina.
O primeiro espetáculo, abrilhantava-o
o narrador-consorte.
Ao descer para um descanso
e a última seção,
enfiavam-lhe no bolso os 70%
do arrecadado até ali...
Ah! Antes de descer,
ativava a catraca de entrada.
E a sala ia se enchendo
para dali a pouco ficar repleta
de olhos e farfalhante,
vidrada
feito um manacá em flor.
Nesta última seção,
não entravam menores de 21,
não por qualquer pieguismo
ou moralidade,
mas para fazer latejar mais
a penumbra da saleta
e merecer, assim,
o seu preço dobrado.
E o espetáculo ia até cuspir,
cuspir cuspir cuspir nas lentes...
e os espectadores também cuspirem
lá embaixo,
dez andares abaixo...
LA 12/04
no nada,
esboços de poeira.
Sim, tudo é tão nada,
que o pouco, minha Amiga,
o pouco em nossas mãos,
há de ser feito bastante
para tornar a vida
suportável e bela —
sim, no mínimo,
suportável e bela.
Tudo tão nada,
que do pouco que nos é dado
só nos resta ir extraindo
coisas outras e novas
lá do baú de viver.
Tudo tão nada,
tão nada, minha Amiga,
que, ao fim, nada será tudo.
LA 12/04
o que está vindo logo atrás.
A verdade das coisas depende
do ponto de vista
de sua interpretação.
Velho isto?
Tão velho quanto andar a pé,
mas mesmo assim
só o “sabemos” de arremedo.
Somos tardos em aprender
que o mundo é construção nossa
e que o nosso direito
não pode excluir o dos outros.
Sim: somos tardos em aprender,
mas temos aprendido.
Sejamos pacientes,
não, porém, displicentes.
LA 12/04
Ano passado,
quando as primeiras folhas caíam,
eu perguntei para o meu pensamento
em que outro outono
eu veria você de novo.
Gostávamos de andar
pelas mãos de outono-inverno
lá em manhãs de brumas
que tornavam fantasmáticos
os pinheiros: um tom solene no ar,
um silêncio feérico...
Magia e vento mantrizando o On...
Nós dois a passos firmes
reverenciávamos tais “entidades”
e penetrávamos veredas
após veredas
em caminhadas
cuja trilha sonora de sua voz
dizia ao coração
que é bela a vida
e pode até nos mostrar seu sentido
e rumo e nexo: que é a alegria...
..........................................................
Sim, perguntava quando outra vez
veria com você
mais uma vez caírem
as folhas mortas...
E as vi,
com você
anos e anos —
até aquela manhã
em que me vieste
( pela última vez )
linda quase incorpórea
( pela última vez )
levitandando ao meu lado
( pela última vez )
como uma fluida entidade
( pela última vez )...
Ainda que você tivesse mil
e mil motivos,
acha justo o que fez
comigo
e com você?!
Sim: acha justo
falar-me um tchau
tão horrivelmente lindo?!
LA 12/04
Sim, Mais Ou Menos Assim...
Você me chama de amigo:
nossa amizade
deve se ater
aos gestos da amizade...
Nada de coloridos extras,
nuanças em vermelho...
nem...
Podes ter olhos só para mim, é claro!
Elogiar-me a mim
e a nenhuma outra,
a não ser que a quaisquer outras —
elogios do avesso ( pode ):
do avesso e brega,
brega-cafona.
Deves pintar-me a alma
irmã da de São Francisco...
Fazer-me o poema
tão sincero,
que ninguém acredite...
Ter o sorriso honesto
como aquela que abortou.
Dizer “ não ” ao padre
e “ sim ” ao coroinha...
Perguntar aos macacos
por onde é que se vai a Roma.
Mais ou menos assim.
LA 12/04
A de cá
a gente acha que conhece —
a margem do dia-a-dia,
a das coisas que pensamos entender,
sim, tudo o que juramos conhecer.
A margem do tédio,
porque aos nossos pés,
demais às nossas mãos —
sempre entre a língua e o céu da boca...
É a margem de casa
com seus afetos e abraços,
o papo nas esquinas,
seus bolinhos de chuva
com cafezinho fresco.
É a margem do “ninguém é profeta em sua terra
e muito menos em sua casa”...
As venturas infelizes,
as desventuras estóicas,
os deliciosos enganos...
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A margem de cá
é a nossa, sim: é a que temos,
por isso mesmo só se faz interessante
quando a pensamos do outro lado:
sim, quando a avaliamos
lá na margem de lá.
LA 01/05
Quando a saudade
for menor que a distância,
então te lembrarás —
de nada.
Nada que tenhas esquecido
de lembrar —
esquecidamente belo
como voltar de amar amar amar amar...
até ficar leve-levinho...
sim: levezinho-levissimozinho
de humores e desejos —
voltando pela madrugada,
pelas neblinas frias
e no conforto cheiroso
e quente
do carro.
Claro, quando a saudade
depender da distância,
então pode até ser
que esta já não exista
e aquela não seja
senão um charme...
Mas charme é bom,
muito bom —
é o brilho do começo
ou recomeço...
como esquecer ou lembrar
e lembrar ou esquecer:
esquecer-lembrar
de nada,
lembrar-esquecer
de bananas já passadas...
bananas e pitangas...
Claro que , sim, amor:
pitangas e bananas
boas
só o hoje as possui.
E o agora é a hora
do amor e das amoras.
Só sabemos que a fruta é boa,
comendo-a;
só aprendemos o amor,
fazendo-o.
E viva a vida,
que é pródiga em oferecer
e fornecer!
Ah! E não se importa a quem.
LA 01/05
que os dedos floresciam só de imaginar...
O mais era brincar defronte ao casario
do Largo entre cadeiras a palrar...
O “pique”, a “cobra-cega”, o “tia-e-tio”...
eram brinquedos bons de se brincar.
E havia “más corujas” com seu pio
fazendo a gente até arrepiar...
Seu Pedro Peidorreiro, no banquinho,
fazia com o cachimbo um céu branquinho...
Mário Secreta era tão fechado
quanto a casa cenhuda em que morava...
( Sua mulher tinha uma cara braba... )
E tudo era um viver já enterrado!
LA 01/05
Perco A Dignidade...
Se me traduzem um fato,
se me interpretam um texto
ou me dizem
o que é que está fazendo tal ou qual barulho —
perco a poesia das coisas,
sim: perco a poesia —
perco a dignidade...
e vou virando uma coisa,
uma coisa terceirizada.
Não ouvir o que o outro está ouvindo
( por estarmos “em outra”),
ler um texto, e amá-lo,
com o cuidado de não interpretá-lo
além do sonho no instante de lê-lo —
é preservar,
sim, isto é preservar a magia das coisas,
conservar-lhes o mistério
e reter a possibilidade
de i-los entendendo devagar,
saboreando aos poucos:
de outros e variados ângulos.
É como amar a luz
sem precisar das sombras.
LA 01/05
Fale nada não.
Nem bem, nem mal.
Deixe que o silêncio fale,
ou não fale.
Toda fala
depende
de quem é o falante.
Sim, há os que falam por cima
e os que falam por baixo —
e a gente só os distingue
pelo cheiro da fala.
Fale nada em resposta,
nem pra um
nem pra outro —
que nada deles presta:
tanto o que lhes vem de entre os dentes
quanto o que lhes sai de trás.
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Esses tais você os conhece
com muita facilidade —
são os que não fazem
e ( se puderem )
também não deixam fazer.
LA 01/05
Tenho Ainda...
da nossa última conversa: o vinho
que vai tecendo e modelando o ninho
de um sonhar lá num tempo que não passa...
Sim: tesouro que o tempo nem a traça
hão de comer: guardado num cantinho
em alma-coração, lá no escaninho
de uma lembrança de alegria e graça...
Tenho ainda metade de uma taça
daquela madrugada em plena praça
em que tu musicavas um jardim...
Tenho ainda metade de uma taça
dos momentos de um sonho que, se passa, —
há de passar sem conhecer um fim.
LA 01/05
Se me vires andando por aí,
por favor, manda-me pra casa urgente.
É só dizer que está ao meu batente
aquela cujo nome acaba em “i”...
Sim, porque às vezes, madrugadamente,
podes me ver sonhando aqui, ali...
e até dormindo ( já passei por ti... ) —
então me manda para casa urgente.
Se me vires só de camisa e cueca,
repares não: que dentro do meu carro
ninguém me vendo assim, me tira sarro...
Mas tu... podes me ver assim da breca —
meio... e pelado... ( tu e ela... ) por aí:
aquela cujo nome acaba em “i”.
LA 01/05
Ah! Vem Pra Cá, Amor...
Não sei por que, amor, te vejo assim:
misto de rosa, coelho e saracura.
Rosa e coelho, talvez pela ternura...
Saracura: no andar alto e magrim.
Rosa, te guardarás do vento carmesim...
Coelho, da pele e gula —uma loucura...
Saracura, do brejo e vida obscura...
E aos três —chazinho de pruripilim...
Perdoa, amor, perdoa pela graça
sem graça! Toma um gole de cachaça,
que já te esqueces dessa brincadeira...
Ah! Vem pra cá, amor, vem pra cozinha.
Vamos lavá-la, que ela está sujinha...
Pega a escova e me ajuda com a sujeira!
LA 01/05
Se Me Encontrasse, Hoje...
Se me encontrasse, hoje, com Julieta
( aquela do Romeu ), eu lhe daria
com muita polidez, e até alegria,
uma rósea, uma baita de chupeta...
E juro, Rosa: não hesitaria
em perguntar à amante tão discreta
se o punhal fora um falo anacoreta
a penetrar-lhe a carne em agonia...
Também se o vero amor, agora morto,
pode trazer em si maior conforto
do que a vida se esquece de fazer.
Também se o amor é sim maior que a vida —
se com ele podemos transcender
a existência que é fria e dolorida.
LA 01/05
Se o melhor é sempre o mais caro,
é burrice querer tanto.
Precisa-se da coisa
e não do melhor da coisa.
Se bem que a coisa-mais
é sem dúvida mais coisa —
embora aí se tenha
de pagar aquele preço —
parcelado, é claro,
mas pela vida inteira (!).
Comer bem por uma moedinha —
isto nunca foi possível.
Mesmo porque o dar
exige algo em troca:
tudo.
Sim, apenas isto: tudo.
É pegar ou largar...
E em geral, se pega.
E carrega!
É patético o sistema.
LA 01/05
Hoje: Ponto E Encontro
O que é morto
( ou que o parece )
só tem sentido para os vivos.
Nossa tarefa ( a dos vivos )
é a de fazer ressuscitar.
Destecemos vários metros
ou quilômetros
do novelo —
e refiamos com os dedos do hoje
um outro texto.
E há tíbias e molares e dentes
e cabelos... dias noites sonhos
nasceres e arderes de impérios
e misérias e luxúrias
nessa refiação do homem e do mundo
entre existir e ter consciência disso —
lá entre ser e ser-se:
sonhamos e Deus nos é.
.......................................................................
O futuro é o passado recontado
e a narrativa-urdidura é o viver.
E os “eus” que temos sido
poderão ser resgatados
pela vontade-entendimento
( e rendição à verdade )
do nosso “eu” atual.
La 01/05
Fria, sim.
Mas morna,
morna não:
dói muito.
Já que você não sabe
( para mim )
ser quente,
vá lá:
me seja fria.
Antes fria
do que nem isto
nem o contrário.
Mas morna,
morna não —
que vomito você
apocalipticamente
lá do meu coração
de amá-la fria
ou ( em sonho ) quente.
Sim, antes fria,
pois que o gelo
traz em si a esperança
de — em vindo a grande luz —
ser canto:
soprar a flauta dos riachos
e descer da montanha
para a relva
sedenta...
............................................................
Seja-me fria,
que posso até amá-la
assim.
Mas morna,
morna não:
dói muito.
O meio-termo
nega a esperança
e o sonho.
O inverno só é lindo
porque sabemos
que já virá a primavera.
LA 01/05
a lhe roçar as pontas no ribeiro —
o vento, mais lembrando um vão lamento
lá entre o coração e o pensamento...
A tarde era um ondeado chuvisqueiro
com seu janeiro a bocejar matreiro
entre três tons: ou temporal violento,
ou sol rasgado, ou chuviscar bem lento...
A tarde andorinhava... em seus rasantes
no fictício lago... O casario
alternava compassos gotejantes...
E uma brisa, bem morna, arrepiava
minha pele a lembrar seu corpo esguio...
e a esperar por você que não chegava...
LA 01/05
Aliás...
de suas pernas —
se nem são “minhas?”
Por que delas me encanto
e as busco transformar em canto
a musicar os passos
que abrem no ar?
Por que sonhar com você,
se cheguei “bem depois”...
segundo palavras suas?!
Por que sonhar ouvir
a canção do seu corpo
em meus braços?
Por quê, se nem lhe tenho
o aval
de ninar entre as mãos
a sua pele?
Ou ficarei dizendo eternamente
goodbye aos abraços
que nunca tive?
Arrivedérci aos beijos
que lhe arrebato e me usura?
Au revoir aos afagos
que jamais faz?
Hasta la vista à ternura
que me dispensa só aos grânulos?...
Adeus aos sonhos —
pois com o chip queimado
da esperança?
Até quando me gloriarei
com a sua presença?
Me tornarei menino
por estar a seu lado?
( Bobo da corte
dos próprios sonhos? )
Com os seus “nãos”
que teimam em significar
exatamente não?
Exatidão inglória!
Não podia tirar do seu “não”
só o mísero til?... Assim:
nao... Sim: nau —
um lenho a rasgar as águas...
Será medo de navegar?!!?...
Sinto em você um gozo
quando eu a visto de meus versos.
Aliás, é mútuo —
já que em vesti-la
também lhe orvalho
sobre a nudez
os meus orgasmos psíquicos.
Perdão. Mas... que fazer sem corpo?
LA 01/05
Em Forma De Sonhar...
Vou guardar esse amor,
este brilho que sinto por você,
bem dentro de uma pedra de valor —
em forma de sonhar o que se vê...
Em forma de saber ( não sei por quê )
que é um modo de viver e recompor
aquilo que se sente e já se vê
por espelho em quem mira um resplendor...
E assim, nesse universo a se expandir,
você mesma verá, em nebulosa,
que a beleza de amá-la não morreu...
Mas vive para sempre num devir —
mais eterna que o eterno de uma rosa,
e toda olhos como à noite o céu...
LA 01/05
Poema Bêbado
Querer ser
é sublime.
Pensar que se é
é ridículo.
O equilíbrio do dramático
é o cômico.
A contenção do cômico
é o trágico.
Querer “iluminar-se”
é louvável.
Dizer-se um “iluminado”
é insano.
Ao lado de uma virtude
mora sempre uma fraqueza.
Ao lado de uma fraqueza
mora outra maior.
O amor é bom.
No verão, com cerveja
e parmesão.
No inverno,
com vinho e assados.
Levar a sério o momento
é andar de ré.
É comer o palito
e jogar fora o filé.
Melhor que uma mulher
é nenhuma...
Nenhuma que seja por demais...
A beleza
é a outra face da verdade?
Sim, porque é surda-muda.
Lavar as mãos evita germes
ou a verdade...
Quantas vezes não somos
Pilatos de nós mesmos!
Confiar?
Claro que sim.
Confiemos em Deus,
já que Ele não cobra nada.
O amor é pago em dólar,
liberdade
e minhocas culturais
( necessárias, é claro,
às funções do espetáculo
e manutenção do Circo ),
e é sempre assim que funciona —
pois do tamanho que somos.
Um poema-cachaça?
É aquele que se faz e bebe
para anestesiar-se da realidade
( não da Vida, mas daquela
construída pelos homens... ).
Um modo de estar bêbado
pra se lidar,
viver,
dançar
com as loucuras-marionetes
da vida nossa
de cada dia.
O mundo? Aquele poste
mijado de cachorros.
Mais vale um gambá
bebendo vinho
com penas de galinha...
que um leão sem dentes
para o banquete
nem tesão para urrar.
O fim do mundo nunca vem...
e a gente nem está cansado
da felicidade de ele não vir.
Último trago.
Meu Deus,
me livra da cirrose
da poesia.
LA 01/05
Unidas De Tal Sorte...
... apostei minhas fichas na beleza
e alguém as suas ( muitas ) na verdade —
não aquela que jura honestidade,
mas a que mostra o mundo sem surpresa...
E fomos pela estrada de incerteza
que é a vida em sua toda realidade —
a que os homens refazem com saudade
e a que recorrem sempre com fraqueza...
E em meio ao céu e a terra não achamos
nada mais íntimo do que essas duas —
a luz e a sombra em seus fiéis recamos...
Unidas de tal sorte lá em suas
entranhas ( posto às vezes entre a bruma... ) —
que uma era a outra e as duas eram uma.
LA 01/05
Nem tanto ao mar, nem tanto ao teu portão —
que teu pai tem no olhar o dom feroz
de poder desvestir cada intenção
e vergastá-la no ar, antes e após...
Nem tanto aos lábios e nem tanto à mão —
que a meninada com os seus avós
estão a nos ouvir cada canção,
dessas que não se fazem nunca a sós...
Nem tanto ao poste nem tão junto ao muro —
o bom do sonho está no claro-escuro,
lá no aqui e no ali, no sim e não...
Nem cinema tão mudo ou tão falado —
há de ser, entre o tímido e o ousado,
um gostoso namoro no portão.
LA 01/05
Um Traquejo Com Manhas...
com tua graça, teu andar esguio,
tinham algo macio como um rio
e o tremular da palma das pupunhas...
Um traquejo com manhas e mumunhas
de quem passeia no escorregadio
de sonhos ensaboados no macio
de sedas a ciciar por entre unhas...
Um finito a expandir-se no infinito
qual eco a reencarnar-se no seu grito
e voltar por nós dentro, a renascer...
Gozo ( pele com pele ) que extrapola
o rito beija-flor com a corola
num gesto a dois ( pianíssimo ) a escorrer...
LA 01/05
nem a sua mamãe com os lençóis...
Se o homem fosse só do seu tamanho,
deixava ser feliz pra bem depois...
Mas não, sem esse dom, sem esse ganho
até perdera o sonho em seus anzóis...
E a desventura a ungir seu rubro lanho —
se dera por feliz comendo caracóis...
( E comer no sentido que os humanos
têm de comer na cama e não à mesa...
sem que tal gesto os torne mais insanos... )
Minha mãe me contava, com surpresa,
que a ama que me dera de mamar
ia bordando o leite em seu ninar...
LA 01/05
Sim, Voz De Muitas Águas...
Daquilo que pedi e não me deste
agradeço por ter nem a metade,
pois foi nessa angustura e parvidade
que o muito me ensinaste e ofereceste...
Enquanto caminhava para o leste
para abraçar-me com a claridade,
sentia Teu olhar de piedade
e Tua voz falar-me no cipreste...
Uma voz que plasmava por mim dentro
degraus de transcender-me e renarrar,
a ter o entendimento como centro.
Sim, voz de muitas águas a cantar
entre maduras vinhas com o vento
gemendo uma canção de recordar...
LA 01/05
... Um Charme Sonso, Um Ar Ocioso...
O esguio andar bordando finos panos —
ondeando em cima, ao meio e já quebrando
em sandálias com toque-e-toque insanos...
vestindo olhos cantando e gorjeando...
Ciciando sonhos pelo ar, ciciando
pulsões ( em alma ) de abrasivos lhanos —
passa um corpo-mulher: vai tilintando
gloriosos sonhos, divinais enganos...
Seios dramáticos e pernas tórridas
dão-lhe ao andar um jeito, um tom de brasas
a arder os olhos com delícias róridas...
No rosto um charme sonso, um ar ocioso...
Um delfim a sonhar... em águas rasas...
No olhar e lábio um quê de choro e gozo...
LA 01/05
Sempre O Tempo...
Sempre o tempo a engolir o próprio tempo
pela cauda e cabeça e meio a um tempo —
a transformar a vida ( e bem a tempo!... )
de realidade atual em novo tempo.
Sempre o tempo que nunca teve tempo
de realizar o que devia há tempo...
E o semear, plantar fora do tempo
a tentar tolo e ingênuo ganhar tempo...
Sempre o tempo que engana: mata o tempo
julgando que assim morto, com o tempo,
há um tempo que resgata o perder tempo...
Sempre um tempo a gerar-se num atempo —
a vertebrar o ser: andá-lo pelo tempo...
que o vai levando a um tempo de destempo...
LA 01/05
Pinta, Sim, Pinta O Céu...
( Enya, Em: Paint The Sky With Stars )
nos também o interior do dom-você
que dá sonhos e brilho a qualquer tinta
e dá olhos àquele que não vê...
Pinta para que nunca mais se sinta
a vida sem o alento de um porquê...
Verdade alguma, em tempo algum, nos minta
que a graça e a fé não possam ser você...
Pinta de estrelas essa pobre argila
de que foi feita a humana criatura...
Sim: constela-a, constela-a de infinito!
Pinta de estrelas tua voz tranqüila!
E tu te saibas luz: a luz e a altura
que nos mudam em paz o doer já feito mito...
LA 01/05
sai por trás e se põe à nossa frente...
E daí é que parte, com escolta,
e se constrói do plasma do presente.
E desse triplo plasma ainda se solta
a aura de um tempo interno e semovente —
e é dele que nos vem toda a (re-) volta
de futuro a passado até presente.
O tempo a devorar-se pela cauda
e o meio... e a renascer da criança que gerou —
que ao velho tempo corre e já o respalda...
E do atempo é que vem o movimento
que empurra os Três ao Um que os integrou
e vai recarregar-se no destempo.
LA 01/05
que relincham tão alto, mas tão alto,
que não entoam nunca: igual o salto
em andar preguiçoso, sem embalos...
Andar que já não traz nem mais regalos
a olhos nenhuns, a não ser ao incauto
que confunde nenúfar com cobalto...
e corta paus-de-lei pra ouvir estalos...
Sim, no jardim das musas os arbustos
se mostram bem queimados: bem adustos —
de olhos em nossa selva que restou...
De olhos no melhorismo dos artistas
que deram vida à flora que frutou...
E vejam: sem a insânia dos nacionalistas.
LA 01/05
Bela esta manhã.
Tão bela quando você vinha
a qualquer hora do dia.
Esta manhã traz nela dentro
um abraço com cheiro de jasmim.
Parece muito com você esta manhã.
A brisa despenteava seu cabelo
enquanto você o ajeitava aos lados —
longos como as palmas
caídas sobre os ombros do coqueiro...
Olha o vento: põe um brinco
na orelha de cada folha...
e foge.
Tão bela quanto livre
é esta manhã.
Bela como lembrar você
( um perfume de anis... )
sem ser refém de apegos.
LA 01/05
Moça Rosa Pela Tarde
Sua beleza a pino,
feita da mesma argila
da rosa —
é Rosa, é Rosa
dando sobre os olhos
da gente.
É Rosa, é Rosa
despetalando sobre
a alma,
o corpo da gente.
É Rosa, é Rosa
ou Teresa ou Regina
ou Julieta ou Joaquina —
mas sempre rosa —
é rosa, é rosa
sua beleza a pino —
andorinhando pela tarde
em rasantes de sonhos...
pés nus pisando a grama,
iluminando a tarde quase noite
ao som da flauta
engolindo os gorgolejos
do Espraiado....
Sim: é rosa, é rosa —
rosa moça, moça rosa:
beleza a pino,
caminhando pela Avenida
que Carlos Bastos bordou de pedras.
LA 01/05
Se o sonho acabou,
mesmo se bom ou não,
valeu ter acabado —
cumpriu seu tempo-destino:
agora pode ser trazido
do passado para o futuro...
Pela graça do recordar —
sim, pelo recordá-lo e transcendê-lo:
reentendido no crivo da memória —
destecido e a refazer-se
( pelas mãos da mulher de Ulisses em nós,
enquanto empreendemos nosso nosto... ),
albergado em nossa persona heróico-coletiva —
a organizar-se e superar-se
e crescentando-se o seu mais:
re-sonho que agora maisifica
seu sonhador —
porque posto nas mãos do Demiurgo
que é o Deus que quer e que consente
e que nos é no que sonhamos.
E o que sonhamos
é o real que vamos transformando
( pessoal: dentro em nós, e por fora:
legado que retorna — com mais quilates —
ao coletivo ).
Nossa individualidade se cria
para vermos
que o infinito nos é e nós o somos —
magicamente tudo sendo recriado.
LA 01/05
( Aos 400 Anos De Dom Quixote )
Ah! Phoder Cultural que nos esmaga, —
rá-rá-rá pra você, phoder!
Pra você que detém a mão que afaga
e a um tempo faz morrer.
Ah! Phoder Cultural que mói e traga, —
quá-quá-quá pra você, poder!
Quem come muito ( claro! ) muito caga
e do que planta vai comer.
Ah! Phoder Cultural que só surpreende,
porque não sabe surpreender-se... e tende
a julgar que o comido não aprende...
.............................................................................
Surpreenser-se é tarefa para poucos.
capazes de fazê-lo a si e aos outros.
LA 01/05
é bom sinal —
isto é fazer-criar.
Primeiro mostrar a si,
depois aos outros
( se for o caso ).
O mais é pleonasmo:
chover no brejo.
Claro que as várzeas
também precisam renovar-se...
Mas veja: é bem melhor
que o façam
com aquela água que cai lá em cima no seco
e ( molhando-o ) lhes escorre.
Fazer-e-ultrapassar-se.
De preferência —
sempre.
LA 01/05
E Depois De Ler Tudo O Que Puderes...
Lê na fresta da janela
o dealbar , o tempo em mudança,
o anoitecer. Lê na luz e no vento.
Lê nos olhos, nos gestos, no timbre,
na voz, no riso, no sorriso,
na risada ou gargalhada,
na letra, nas entrelinhas,
nos borrões, no branco do papel,
no espírito da coisa.
Lê na tristeza, lê na alegria,
no infortúnio, na ventura.
Lê no silêncio, no barulho e surdinas.
No farfalhar, no marulhar, no crepitar.
Lê no trovão, na voz que pede,
na mão que dá.
Lê na pele, na alma, na intenção.
Lê nas linhas tortas de Deus.
Os sins que são nãos, e o contrário disso.
O “não quero” que quer dizer o oposto
e quando não quer mesmo.
Sim: lê tudo, frente e verso ( o multiverso )
e o por dentro de tudo.
Lê o quanto puderes.
Depois relê, translê o lido —
que já não há de ter as mesmas letras.
Leituras, releituras, transleituras
de um real em mudança —
em auto-superação.
Sim, tudo tudo tudo.
E após ter lido tudo
( o que puderes ), joga fora
a pretensão de gente lida.
E começa gostosamente a ler.
LA 01/05
O mundo vai acabar.
Mas como não vai ser já,
o mais sensato é aproveitarmos bem
pra viver
apocaliptizados:
isso dobra ( no mínimo ) o tesão —
faz a amada delirar,
o amado arrepiar
e a gente morrer de frissom.
Morrer antes de morrer,
ué!
.....................................................................
Assim, minha Zuleide,
a gente pode optar —
morrer disso ou daquilo.
Mas com Viagra, né amorzão?
Claro, Zuleide, com São Viagra!
Com Viagra
e a dona da pensão a espiar
no buraco da fechadura
pra musicar em surdina
nosso rachar a ostra
para a extração das pérolas.
LA 01/05
Sempre que ela passava
respingando libido e gestos,
o sorveteiro esticava o pescoço
pra frente do balcão
e dizia ao ouvido da consorte,
já um tanto arcada:
“Que tesouro, meu Deus, que monumento!”
A mulher rebatia na hora:
“Imagine, isto é um bagulho...
Quem é ela perto daqueles olhos verdes —
que você conhece tão bem?!...”
O homem olhava triste
para os belos olhos verdes da esposa...
e continuava entre o gelo...
E a cena se repetia uma, duas
vezes por semana.
O homem já estava com as coisas
que não cabiam nele...
E numa manhã gloriosa,
após divinizar a passante —
a esposa, estilhaçada,
dá-lhe uma bronca discreta
e bem isenta:
“Oh! Homem, pense bem!
Como é que você vai trocar uma lingüiça de bode dessas,
um bacalhau de porta de armazém,
pela Esmeralda,
mulher do detetive,
macia e caudalosa,
gostosa como um pudim,
tenra de tudo e em tudo:
peitos de moranga,
nádegas de cúia e paina,
pernas de embalar sonhos—
com aqueles olhos
de floresta Amazônica
( com quem você convive
há 8 anos, 11 meses e 12 dias...):
ficou leso, é!?
Tá quendo o quê, homem,
se punir, virar faquir?!!
Ah, Meu André!
Você acabou de botar Esmeralda
no lugar da Joaninha do açougueiro,
homem!
Esverdeie-se mais um pouco,
meu menino:
saboreie as suas samambaias,
deguste as suas pupunhas...
Depois, sim, homem: troque,
que ninguém é de ferro.
Come mais devagar,
faz melhor digestão. Depois, sim, homem:
mude, aprenda com a vida...
Uma por vez, mas sempre,
que a vida é uma pitanga:
agora tá no pé,
daqui há pouco,
já merdada de chão...
............................................................
Vai, homem!
Que se não for,
nem sei o que te faço!...
Mas uma de cada vez.
Paga o que cada uma pede
e come bem devagarinho.
Uma de cada vez,
e sempre de galocha.
LA 01/05
( 400 Anos De Cervantes )
O Universo é Arte.
E como as falenas à luz,
a vida corre para a Arte
no instinto de imitá-la,
tornar-se, queimar-se nela —
suprafenizar-se
de suas próprias cinzas.
A própria evolução
é o faro da existencia
atrás do fascinante:
o mais a florescer.
Sim: tudo
que o Demiurgo fez é Arte,
e todo o viver a segue —
seduzido em sua essência
pelo reacontecer dos dias
nas entrelinhas da recriação —
o sonho-mais da Vida.
Quando lemos Dom Quixote
nós o vemos em nós —
e o vamos sendo a vida toda:
de dentro para fora,
de fora para dentro —
nós e Ele nos somos,
além do tempo e de nós mesmos.
Cervantes, ao terminar seu Livro, —
tinha feito — avant la lettre —
toda a literatura-espelho do Ocidente:
Literatura
como interpretação da alma,
vontade e destino humanos.
A persona se recriara —
já saberia ver-se
atrás do som de sua voz:
personando seu conhecer
a si no outro
( e ao outro em si ).
.............................................................................
O Oriente ( já faz um pouco )
veio buscar-se em Cervantes —
viu que usava
as mesmas armaduras-montarias
e eram os mesmos cavaleiros
( embora num mundo já sem cavalos... ),
mas eram —
eram Sancho-Quixote
dentro de um vice-versa.
..............................................................................
O gênio veicula
os propósitos do Cosmo.
LA 01/05
Termômetro...
Todo o conforto da amizade é ir
jogando para o outro o que se sente
e vive no momento — soltamente —
sem preocupações de transgredir...
Sim: seu conforto mágico é sentir
que se pode tirar tranqüilamente
as máscaras do rosto a delinqüir...
e poder conversar gente com gente.
E explodem “nãos” por “sins” e “sins” por “nãos” ...
e o que soou, soou... falou, voou...
E ao fim de ciências-chistes-e-pesares —
joga-se para cima o que restou...
E os bugalhos revoam pelos ares
e voltam as sementes para as mãos.
LA 01/05
Sim, Cabem Num Só Verso
Se cantas tua aldeia,
cantas todo o universo —
pois não só ela,
mas também ele —
cabem no mesmo verso.
Se amas a rosa,
amas todas as flores —
pois não só ela,
como todas as outras —
esperam pelos beija-flores.
Quando beijas a amada,
beijas todas as mulheres —
pois não só ela,
como todas aquelas —
são tudo o que mais queres.
Portanto, canta —
canta a aldeia.
Ama —
ama a rosa.
E beija —
beija a amada
pensando em todas as outras
num sonho uno e diverso...
Sim: canta ama beija —
que tudo cabe num só verso.
LA 01/05
Deita Sobre Este Mágico...
e voaremos com árabes e persas
pelas estamparias mais diversas
de um amar-nos sem tempo ou pontocom...
Sim, desse amarmo-nos florindo com
os orgasmos de todas as conversas —
águas e águas em nós e em si submersas
em sonhos a buscar seu nexo e dom...
Deita sobre os cansaços avoengos
de retecermos sempre mais maduros
os humanos enganos tão verdoengos...
E voaremos de nós por nós lá dentro
de todos os passados e futuros —
na poesia do instante como centro.
LA 01/05
Acréscimos
são bem mais do que belas opções —
uma é a estrada da outra
por planos e vales e serras e túneis...
Todo o sentido
está entre as coisas
nascerem e morrerem —
de um lado só da vida.
Não perderemos nada —
pois não teremos
a não ser a acrescentar.
LA 01/05
A Busca De Sentido
de máscaras,
ou restará uma face
em nossas pretensões
de termos como causa
interesses dos outros,
veleidades alheias?
Se não acho sentido,
quem me prestará socorros?
Se não desço por mim dentro,
como posso acender a luz
e espantar os fantasmas
que fui fazendo meus
por pura inadvertência?
Se não acho sentido,
o mundo até pensará
que me pode dar um.
Se não acho sentido,
quem me pode tecê-lo,
senão aquele em mim
que é quem deve fazê-lo?
LA 01/05
Diferença
A importância de ser ninguém
por vezes se ressalta —
torna-se em glória
e ( claro! ) envaidece:
é a coisa do avesso.
Muitos devem invejar
a saúde e a paz ingênua
dos pobres molambentos...
O medo, a angústia, o risco,
ante a iminência da brutalidade —
são a maior humilhação,
maior desgraça e terror
do ser humano:
o homem devorando o homem.
Usufruí, ó excluídos,
senão como compensação,
ao menos por prazer —
a glória de serdes ninguém,
cuja diferença
está entre a vida e a morte.
LA 01/05
Lá vão palhas e sementes...
De vez em quando as jogo para cima
e o que me volta às mãos —
semeio:
acomodo-as de novo lá por mim.
O que eram bugalhos
já se assimila à terra —
fortificando-a.
O que eram sementes,
essas brotam —
sempre novas e belas plantas,
multiplicadas: muitas por uma
em cada núcleo de vida.
Para a lavoura ser bela
( e ter sentido ) —
é preciso lá vez ou outra
( seu tempo é em alma-coração ) —
jogá-la para cima
e apará-la
entre as mãos que lhe foram
o corpo, a alma, o brilho...
Sua beleza e verdade
( e, claro: a alegria )
serão sempre o sentido.
LA 01/05
amor cachorro.
Após mijar no poste,
sujar na esquina —
virou coruja
a gozar dos próprios pios,
se bem que perolados...
Está calor, aliás:
por isso, está de camisinha
o amor —
sua única lingerie.
Ah, sim, desculpe:
também está de gorro
( no quarto e na avenida )
esse cachorro,
zorro da vida.
O amor virou um poste
mijado de homens.
Olha ele: de gorro
e camisinha.
LA 01/05
Festas Do Largo
( Esse Largo é hoje a praça do Fórum, da Cadeia, das bauínias do Percival...
Só tendo o casario que o enquadrava, era palco de quermesses, parques, circos,
palanques, lugar onde a molecada se reunia para os briquedos de época, lutas,
peladas...sobre e ao lado do “Areião”, descantado por Ganymèdes. Tais
raparigas [ termo que usei para aproveitar-lhe a sensualidade de que se reveste]
eram as moças-meninas, sempre presentes, suaves e ingênuas, a maioria delas
vinda da “roça” para os eventos festivos, e que vinham refazer a maquiagem,
levantar as ligas... nas casas ao redor do Largo. Eram o encanto dos meninos
(eu um deles) que lhes sentiam o perfume, ouviam o ciciar e o ajeitar das
roupas...)
pelo corpo lirial das raparigas...
A gente as tinha por fiéis amigas
tais bromélias sensuais suando amores...
Como esquecer as suas belas ligas
a prender-lhes a renda e a meia em cores?...
Rápidas sempre em retocar rubores —
trocar por novas tintas as antigas...
Como esquecer-lhes a alma saltitante,
o riso claro de asas em rasante
pelo Largo com sua carne em flor?...
Circos, parques e festas... laços, figas...
Ah! Tu também guardaste, meu Senhor,
a voz, o riso em flor das raparigas?...
LA 01/05
O Espelho
Este rosto que mostras para mim,
que me olha e que olho, não existiria
não fosse a luz já tê-lo na mania
de nos multiplicar seu lado-sim...
Seu lado-não é sombra de cetim
cobrindo o dom que há pouco me luzia...
mas que agora se esconde em face fria
esperando lá atrás de um sonho afim...
Tens me guardado já faz anos e anos,
a mim e meus assíduos desenganos —
companheiros fiéis de caminhada.
Também meu coração reflete a estrada
que se espelha no avesso de narrar-me...
E tudo — à tona — é bela calma e charme.
LA 01/05
Sei-te ao leste de mim
enquanto rumo para o norte
( em mim ) —
mas a cada pôr-de-sol,
olhando um pouco à esquerda,
te encontro,
posto que és luz
e ali estou a mirar
o olho vermelho do dia
que vai passar a sua pira
para outras mãos...
E é nesta hora
que as sombras dialogam com as sedas
de lembrar-te,
saber-te em alma
num sentimento
cor e gosto de amora.
Sei-te ao leste enquanto rumo
para o norte de mim.
A luz há de cuidar
das confluências.
LA 01/05
Bises
foi tudo bom igual: o sim e o não.
O sim, porque em lembrá-lo já é bis...
O não, porque, não feito, é vinho e pão...
O não-feito com o feito, juntos, são
um não lembrar mas ter a cicatriz...
já que se pode ter em não-ação
o imaginá-la ação bem mais feliz.
O que contigo fiz e o que não fiz
têm mutuamente igual compensação —
ser a água de um mesmo chafariz...
E entre o feito e o não-feito, um só senão:
o de não tê-lo feito por um triz —
se bem que em recordá-lo já é bis.
LA 01/05
O marido ela amava de verdade,
quanto ao vizinho, apenas de viés...
Àquele por formal fatalidade,
a este por laços cármicos, talvez...
A boa da senhora, à meia-idade,
ao espelho, explicava-se ( outra vez! )
que não era por manha ou veleidade
que lecionava em duplo vaginês...
Era mais por missão: força-tarefa
que empreendera, em bem moça, por saber
que o destino é destino: nunca blefa.
Nem por prazer, nem por necessidade...
muito menos por ato de vontade —
só cumpria o que a vida ousava ser.
LA 01/05
Os Baixos Da Vida
Malcotada,
malcontada,
malcantada,
maltransada —
só te falta chamar
Paula Tina:
que rima com divina
e porcina,
com a compensação
( maluquinha de adultescência )
de também lembrar menina.
Tem dias, minha amiga,
que o melhor que fazemos
é não fazer... Assim
como o cachorro doente
que se deita enrolado
e só confia as suas dores
pra ponta do próprio rabo...
.....................................................
Vai te benzer, Glorinha,
que a ti só tá faltando
te foderem fiado.
LA 01/05
Não Deve Ser...
o que as pedras pensam de nós —
tão tardos sempre em aprender,
tão demorados em ver
que o que vemos já não é
senão necessidade de rever.
Não deve ser nada bonito
o que as pedras pensam de nós —
tão baralhados nos próprios passos
que o Saci nos vive a ensinar
novos e úteis compassos
a nos querer desviar
dos penhascos de nós mesmos.
Não deve ser nada bonito
o que as pedras pensam de nós —
fazedores de histórias
que se contam de um modo
a não causar vergonha,
não aos que as fazem e fizeram,
mas àqueles que as interpretam.
Não deve ser nada bonito
o que as pedras pensam de nós —
seu silêncio é tão terrível
que faz doer os ouvidos
e derreter toda a cera
até não haver mais face
nem o personar humano
que faz haver o teatro.
LA 01/05