CONTE ATÉ TRÊS

                          Laerte Antonio

 

Vai ficar aí jogado,

com esse tédio charmoso,

engordando a depressão

entre o sofá e a cama?

Vai cavar seu buraco

antes do tempo,

a sua bela,

sua romântica,

              cacofônica cova?

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O sol lá fora está ardendo

como um danado —

e a vida tá que tá, meu caro:

é só tesão.

Vai deixar tudo isso para o padre,

para o vizinho,

para os amigos?

 

Este dia

acaba de ser feito

para você:

para os seus olhos,

para os seus sonhos,

pra suas mãos...

Vá beliscar o mundo, cara,

vá se coçar.

Vá se mexer e degustar

os refolhos deste mundo:

com pena e tudo

ou sem penas, você é que sabe.

 

Deixe para morrer

naquele dia e hora

que você nem ninguém sabe.

Não te basta este mal, cara?

Quer torná-lo pior?

Ou pretende chamá-lo de bem?!

 

Você pode se erguer agora,

meu velho,

e de pé sobre este momento,

dentro da luz fresca deste hoje,

que acaba de ser feito

(dê só uma olhada atrás dos vidros!...),

você pode viver gostosamente

o “seu dia”.

Sim, sem nenhum grande propósito,

sem nenhum heroísmo —

senão o de viver

gostosamente o “seu dia”.

 

Ah, conte até três, meu caro,

minha cara,

e enfeixe lá no seu íntimo

aquela luz ( que é sua ) —

a luz da sua origem...

e deixe que ela seja uma só carne

com a luz deste dia,

do “seu dia”.

 

Sim, conte até três

e diga lá consigo:

Mundo velho, mijado de cachorros,

aqui vai uma pessoa

que aprendeu que vitória

e fracasso

são dois belos impostores...

cinismos sociais.

Velho mundo,

aqui vai uma pessoa

que decide, neste instante,

não deixar que desengano

nenhum,

nem prejuízo ou traição

o persuada a trocar a vida

pela morte.

Até porque ( não por acaso ) é descendente e herdeiro

( sim: descendente e herdeiro )

de Deuspai.