"PELA LINHA"
Laerte Antonio
Meu pai era maquinista.
Ficava “pela linha”, “pela linha”...
“pela linha”...
Era lindo-misteriosa a expressão
“pela linha” —
porque eu não sabia o que era...
De vez em quando vinha:
uma cesta enorme com
doces
bananas
chupetas açucaradas
e um cheiro bom
de graxa
nas mãos...
Suores nas mangas
do paletó marrom.
Nossa mãe disfarçava
sua felicidade,
e nos mandava ficar
esperando na esquina —
de onde corríamos encontrá-lo:
o coração pulava
de orgulho —
era o nosso pai,
forte como as locomotivas em que voava
e fazia chorar no apito.
Seu boné azul-marinho,
seu Ômega de bolso,
seu jeito mitológico.
Ele nos abraçava. Nossa mãe
— para agradar —
lhe mostrava alguma novidade
que ela havia feito na máquina
de costura,
ou mesmo algum dinheiro
que ganhara costurando.
Meu pai sentava,
eu lhe tirava as botinas,
calçava-lhe os chinelos,
e um de nós lhe lavava
e lhe enxugava os pés.
Ele nos contava coisas
de aventuras:
chuvas,
desabamentos de linhas,
descarrilamentos,
problemas com a máquina...
A gente ouvia apalpando
e olhava segurando
seu contar gesticulado,
entrecortado
de cachimbadas, e risadas.
Com o meu pai
o nosso coração ficava forte —
uma alegria bem doce,
com chocolate e rapadura.
Um gosto na boca
de coisas longe agora perto —
ouvidas e sentidas entre as mãos:
frias e quentes.
Ásperas
ou feito piavas ensaboadas.
E tudo cheirando a café fresco,
a pão e queijo
feitos por minha mãe.
E nossa casa era linda
como a rosa que não sabe
do fim da tarde.
A fé a suportava,
a esperança a fortificava,
a família dava-lhe um porto.
E a vida era feliz,
feliz de não saber.